Governo ameaça direitos
de ferroviários e utentes


Os poblemas do caminho-de-ferro estão intimamente ligados às opções que se fizeram em relação ao modelo de exploração. Quando o Governo anunciou as medidas de desmembramento da CP numa empresa de infra-estruturas e outra comercial, tal como já acontecera com o executivo do PSD, que a dividiu em 14 empresas, logo a estrutura sindical da CGTP-IN e as Comissões de Trabalhadores afirmaram que estas medidas iriam conduzir ao agravamento dos problemas, quer para os utentes
quer para os trabalhadores ferroviários.

 

Quanto aos utentes, o que se verifica é que a política deste governo assenta na fórmula de quem quiser transporte ferroviário tem de o pagar em função do lucro. Não é por acaso que aos utentes se passou a chamar clientes. Assim, vamos assistindo ao desinvestimento nas linhas de procura menos intensa e já equacionam o seu futuro a médio prazo.
Ainda recentemente a CP mandou encerrar à actividade comercial cerca de 70 estações, uma medida que pode ser um pré-anúncio de mais encerramentos. O caminho-de-ferro chega cada vez a menos portugueses.
Em vez de se optar por uma política de desenvolvimento, que leve cada vez mais portugueses e actividades económicas a utilizarem o caminho-de-ferro, quer através da prestação de um melhor serviço, mais económico, mais seguro e com maior fiabilidade, também o Governo PS dá mostras de seguir exemplos do cavaquismo, ou seja, linha ou estação que não dê lucro directo é para encerrar ou, eventualmente, passar para as autarquias.
Para os ferroviários, as consequências do desenvolvimento foram e são bastante graves. No que se refere aos postos de trabalho, verificou-se que, com o desmembramento cavaquista, uma redução de cerca de 10 mil postos de trabalho. No plano 1998-2002, que a CP apresentou, aponta-se claramente para a redução de mais postos de trabalho, ao mesmo tempo que vamos já ouvindo que a REFER tem de redimensionar o seu efectivo, ou seja, reduzir o número de trabalhadores.
Estas reduções têm provocado um aumento significativo dos ritmos de trabalho, já que os trabalhadores que ficaram têm de acumular o desempenho das tarefas dos que saíram. Por outro lado, começa a verificar-se um aumento da precariedade dos postos de trabalho.
Nas várias empresas em que a CP foi dividida cresceram os contratos a prazo, que na esmagadora maioria dos casos são ilegais, já que os trabalhadores estão a ocupar efectivos. Na SOFLUSA (travessia fluvial do Tejo), o fenómeno chegou a atingir cerca de 30 por cento dos trabalhadores da empresa. Só a acção sindical obrigou a que a maioria destes trabalhadores passasse a efectivos. Na EMEF, os trabalhadores jovens são admitidos a prazo, percorrendo um calvário de 3 anos até que alguns possam ver os seus contratos transformados em efectivos. Na FERTÁGUS (operador privado que vai explorar a travessia da Ponte 25 de Abril), empresa que tem uma concessão de 30 anos, os trabalhadores que estão a ser admitidos são praticamente todos a prazo, isto com a «compreensão» da Secretaria de Estado dos Transportes.
Outra forma de precarização concretiza-se através da contratação de empreiteiros, a quem as empresas recorrem para substituírem trabalhadores que saíram do sector. Isto verifica-se nas áreas de construção e manutenção de infra-estruturas (via, telecomunicações, obras, etc.) assim como nas oficinas da EMEF.
Nesta situação, trabalhadores com vínculos laborais efectivos e com direitos adquiridos foram substituídos, na maioria dos casos, por trabalhadores com vínculos precários e sem direitos.

PS recupera a legislação
do tempo do fascismo

Para compensar a redução de efectivos, as administrações das diversas empresas do sector pretendem introduzir alterações às convenções colectivas que visam aumentar a disponibilidade dos trabalhadores para com a empresa, ou por outras palavras, aumentar a jornada de trabalho.
Assim, pretendem agravar o regime de flexibilidade do horário de trabalho, introduzido de forma ilegal, conforme é reconhecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mas que tem contado com o apoio de organizações da UGT.
Em vez de responderem à justa reivindicação dos trabalhadores, para que o horário seja reduzido, de forma faseada, até se atingirem as 35 horas semanais/7 diárias, os gestores apresentaram propostas para que o cálculo das 40 horas semanais seja encontrado na média de 16 semanas, com horários diários que podem ir até 10 horas ao serviço das empresas. Com esta situação, o trabalhador só saberia se tinha direito ao pagamento de horas extras se fizesse mais de 10 horas num dia ou se fizesse mais de 640 horas ao fim de 16 semanas.
É neste quadro que os gestores da CP, nomeados pelo Governo PS, foram recuperar o conteúdo de um decreto-lei do tempo do fascismo, ou seja, apresentaram uma proposta que visa introduzir as famigeradas intermitências, agora denominadas de horário descontínuo.
Esta proposta representaria um negócio da china para os intereses do CG da CP. Pretendem que um trabalhador, por exemplo, possa trabalhar das 8 às 11 horas, interromper e recomeçar das 16 às 21 horas. Isto quer dizer que, para receber as 8 horas de serviço, o trabalhador teria de estar, neste caso, à disposição da empresa 13 horas, agravado com o facto de que o horário semanal continuaria a ser calculado em termos médios de 16 semanas.
Não satisfeitos com isto e, ao contrário do que foi tão apregoado pelo ministro João Cravinho de que «os ferroviários podiam estar descansados porque, neste quadro de reestruturação, os direitos estariam acautelados», as propostas das empresas estão a mostrar que, para estes senhores, acautelados não significa garantidos.
Razão tinham as estruturas do Movimento Sindical Unitário e as CT's, quando exigiram, em devido tempo, que o sr. ministro passasse as suas declarações para um protocolo, ao que este sempre fugiu. Agora percebe-se melhor porquê.
As recentes propostas apresentadas quer na CP quer na REFER, no seguimento do que já foi tentado na EMEF, omitem pura e simplesmente os direitos adquiridos pelos trabalhadores.

A luta vai ser determinante

Esta nova ofensiva dos gestores das empresas do sector ferroviário, nomeados pelo Governo PS, surge numa altura em que se comemora 30 anos de uma das mais emblemáticas lutas dos ferroviários, a luta da braçadeira preta. Foi uma das lutas que culminou com a conquista de alguns dos direitos que hoje nos querem retirar.
No entanto, pelo balanço que fazemos, entendemos que, se os ferroviários não tivessem lutado contra as diversas ofensivas, já há muito que estes direitos tinham desaparecido.
Não temos dúvidas de que se os gestores, nomeados pelo Governo do PS, insistirem nesta sua ofensiva, a luta dos ferroviários será uma certeza. Terá que ser uma luta donde têm de sair soluções ou acordos onde todos os trabalhadores se reconheçam. Por isso, nos opomos que, através de algumas greves se introduzam ou agravem situações de discriminação entre trabalhadores.
Durante este ano, pela mão do PS, entra em actividade um operador ferroviário privado, que vai fazer a exloração do atravessamento ferroviário da Ponte 25 de Abril, à qual a CP foi impedida de concorrer. Já foi feito também o pedido de licenciamento de um operador privado de transporte de mercadorias.
É neste quadro que os ferroviários têm de desenvolver a sua luta, ou seja, têm de defender o serviço público e a correspodente componente social do caminho-de-ferro, a melhoria das suas condições salariais e de trabalho, mas nunca permitindo que essa luta seja aproveitada para viabilizar a substituição da CP por operadores privados.
É por isso que esta estrutura sindical da CGTP se demarcou da greve de maquinistas que decorreu entre o dia 27 de Janeiro e 5 de Fevereiro. Por um lado, porque se desconhece, claramente, quais as razões objectivas dessa luta. Depois, porque, ao que pensamos, estamos perante a tentativa de encontrar soluções para uma área profissional que permitiriam a redução de postos de trabalho doutras áreas profissionais e a concentração de tarefas nos trabalhadores maquinistas, do que discordamos. Por outro lado, pensamos que se procuram soluções que introduziriam novas discriminações entre trabalhadores, o que não podemos aceitar.
AFederação dos Sindicatos Ferroviários CGTP-IN, reflectido o repúdio dos trabalhadores contra o regime de agente único, entregou um outro pré-aviso de greve que permite aos trabalhadores da área de condução-ferrovia a recusa a todo o serviço que implique (e só neste caso) a condução de comboios em regime de agente único, porque assim estamos a contribuir para a dignificação dos trabalhadores desta área profissional e para a salvaguarda de postos de trabalho.


«Avante!» Nº 1315 - 11.Fevereiro.1999