Defesa Nacional e Forças Armadas
Os desígnios constitucionais,
os 50 anos da NATO e o PCP


Apesar do sentido globalmente negativo das sucessivas revisões constitucionais, a Lei Fundamental continua a consagrar no seu artigo 7º (Relações internacionais) que Portugal se rege «nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade». E, no seu ponto 2, «Portugal preconiza a abolição (...) do domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos».

A política que tem vindo a ser seguida, ora pelo Governo do PSD ora pelo Governo do PS, tem, no entanto, rumado ao arrepio dos desígnios constitucionais.
Vem isto a propósito dos 50 anos que a NATO se apresta a comemorar e das prendas que a si própria se prepara para oferecer e que são, no essencial, três:

1ª - O seu alargamento a mais três países - Polónia, Hungria e Républica Checa.

2ª - A eliminação do artigo 5º e consequentemente a abertura para intervir em qualquer parte do mundo.

3ª - A teorização/justificação, que tem vindo a ser desenvolvida, quanto ao acerto de a NATO poder intervir quando, como e onde quiser e isso poder/dever ser feito à margem de qualquer mandato da ONU e do seu Conselho de Segurança.

Trata-se de prendas que transformarão qualitativamente a NATO e lhe darão um novo impulso na direcção errada, ou seja, numa organização com carácter mais agressivo e reforçada do ponto de vista estratégico e militar.
Trata-se ainda de desenvolvimentos que, ao contrário de potenciar as organizações direccionadas para a prevenção de conflitos, a segurança e a paz (ONU e OSCE) minam, ainda mais, a sua credibilidade.
Trata-se, por fim, de encetar um caminho que, no caso nacional, anda em sentido contrário ao consagrado constitucionalmente.
Daí que a forma como alguns responsáveis políticos, a começar no MDN, entusiasticamente falam da matéria, não possa deixar de causar indignação.
Para o êxito destas alterações, foi posto em marcha um amplo processo de modificações no seio das FFAA dos países que constituem a NATO. Sabemos que, nalguns casos, essas alterações se impunham, independentemente do curso evolutivo da NATO. Mas muitas delas estão intrinsecamente acopeladas ao modelo NATO para a entrada no século XXI.
Paralelamente, os EUA não diminuem o seu esforço em investimento militar. Ao contrário, prosseguem os seus programas de fabricação de cada vez mais evoluído material militar, visando o reforço do seu domínio mundial.
Já não se trata, ou cada vez menos se trata, de contar o número de espingardas, de aviões e de tanques. Trata-se, isso sim e cada vez mais, da capacidade de vasculhar o mundo, de detectar a cada momento os passos dos considerados hostis.
O big brother chamado ECHELON, para controle e escuta das ligações telefónicas, é um exemplo das tantas e mais elevadas possibilidades tecnológicas existentes, violando os mais elementares direitos dos cidadãos.
As transformações em curso na NATO, afirmando-a como estrutura político-militar global, não serve a paz.
À lógica deste tipo de estrutura é inerente a existência de inimigos. Teremos cada vez mais a NATO e as FFAA dos respectivos países, tendencialmente transformadas em robotcops ao serviço dos EUA?
À lógica da ONU ou da OSCE, é inerente a ausência do conceito de inimigo, ainda que para problemas concretos possam ser constituídas forças militares para missões de prevenção ou manutenção de paz. São dinâmicas muito diferentes.
No início do verão de 1993 foram discutidas na Assembleia da República as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, opções essas não revistas até ao momento. Sabemos que o serão, refrescadas no quadro do novo conceito estratégico da NATO, a aprovar em Abril, no âmbito da comemoração das bodas de ouro da Aliança.
Em 1993, em discussão com as Grandes Opções do Governo PSD/Cavaco estiveram também as Grandes Opções do PCP. Nesse projecto o PCP apontava cinco vectores: 1º - uma estratégia de matriz nacional que privilegie os interesses nacionais e os meios para os prosseguir; 2º - uma estratégia de coesão e solidariedade que privilegie o fortalecimento da vontade popular por uma maior justiça social e um maior empenhamento cultural; 3º - uma estratégia de progresso que privilegie a afirmação de Portugal no mundo como uma nação em processo de desenvolvimento económico, com uma voz própria nos grandes processos estruturais tendente à criação de uma nova ordem económica internacional; 4º - uma estratégia de amizade, paz e cooperação, que privilegie a solução negociada de conflitos, o diálogo, a acção nas instâncias internacionais, o respeito pelo direito internacional; 5º - uma estratégia de participação de todo o povo, uma estratégia democrática, que empenhe todos os portugueses na defesa de Portugal.
Trata-se de vectores que continuam com plena actualidade e que constituem, por si só, uma alternativa ao rumo imprimido pelo Governo do PS.
Trata-se de cinco vectores que consubstanciam uma política de esquerda ao serviço de Portugal e dos portugueses.
Assim, a uma estratégia de reforço da NATO impunha-se uma outra que visasse pôr fim à lógica de blocos político-militares. A uma estratégia de potenciamento da UEO e sua transformação numa "natinha" europeia, impunha-se um novo rumo que potenciasse a OSCE e a democratização das instituições europeias, no quadro de uma Europa capaz de combater com empenho a exclusão, o racismo, a xenofobia e o desemprego.
No ano dos 25 anos do 25 de Abril existem pois renovadas razões para que mais e mais portugueses votem CDU. — Rui Fernandes


«Avante!» Nº 1315 - 11.Fevereiro.1999