Notas
sobre a VII Legislatura
(1ª parte)
Por João Amaral
A apreciação de alguns factos desta VII Legislatura pode ajudar a uma melhor intervenção na preparação das próximas eleições. Tentar-se-á dar um panorama, ao longo de alguns artigos.
As eleições de
Outubro de 1995 corresponderam a uma recomposição política da
Assembleia: o PSD derrotado, o PS com uma elevada maioria
relativa (112 Deputados em 230), e o PP com um score que lhe
permitiu passar a 3º partido, com igual número de Deputados da
CDU.
O primeiro incidente foi a não eleição dos candidatos do
CDS-PP aos lugares na Mesa da Assembleia. Só com votos das
outras bancadas os candidatos do PP podiam ter os 116 votos
necessários, o que não sucedeu. A explicação encontra-se na
campanha anti-parlamentar de Manuel Monteiro, e foi uma espécie
de retaliação dos Deputados que podiam fazer a maioria
necessária (PS e PSD).
Outro incidente curioso foi o protagonizado pelos Deputados
Henrique Neto (PS), Álvaro Barreto (PSD) e Manuela Moura Guedes
(PP) apanhados nas malhas das incompatibilidades.
O debate do programa do Governo mostrou que o Governo PS erigia
como prioridade absoluta a adesão ao Euro, embora argumentando
que o fazia sem sacrifício dos objectivos sociais fundamentais
(subida das pensões, baixa do desemprego, criação do
rendimento mínimo, subida dos salários reais, etc.).
O PCP, pela voz do Secretário-Geral, posicionou-se como
oposição de esquerda à anunciada política neo-liberal do
Governo. Mas, sublinhou: "não seremos oposição
sistemática, potenciaremos tudo o que possa vir de
positivo".
Nenhum partido apresentou qualquer moção de rejeição do
programa. Ninguém correu o risco de derrubar o Governo
(forçando eleições antecipadas ou a substituição do Governo
por um apoiado em mais de um partido) ou de conduzir o Governo a
negociar com qualquer partido para evitar a rejeição.
As primeiras iniciativas do PCP foram os projectos de redução
do horário de trabalho para as 40 horas, a criação do
rendimento mínimo, o reforço da fiscalização dos Serviços de
Informações, a retoma da idade de reforma das mulheres aos 62
anos, o pré-escolar, a revogação dos normas de Cavaco contra a
liberdade de imprensa, o regime de exclusividade dos Directores
Gerais, a Lei de opções da política de segurança interna
(contra a política das super-esquadras), a revogação da lei
das propinas, a fixação de um calendário para a
regionalização.
A primeira intervenção de fundo do PCP foi a defesa da barragem
do Alqueva. No debate, Lino de Carvalho saudou a afirmação do
socialista Hasse Ferreira de que o Alqueva seria feito, embora
lamentando que não fosse claro a assumir esse compromisso em
nome do PS.
Uma grande parte das iniciativas do PCP acabou aprovada, na
formulação proposta pelo PCP ou noutras formulações. Algumas
foram rejeitadas (por exemplo, a idade de reforma das mulheres),
ou tiveram um acolhimento perverso que equivaleu à rejeição
(por exemplo, o horário de 40 horas, que o Governo combinou com
a retirada dos direitos adquiridos em matéria de pausas).
Mas, o que marca os primeiros meses do Governo PS é uma espécie
de "compasso de espera" motivado pelas Presidenciais.
Nesse tempo, de quase "campanha", o Governo aumentou a
pensão social em 14,3% e o regime de pensões dos rurais em
7,1%, fez um aumento diferenciado das pensões beneficiando as
mais baixas, eliminou o pagamento das portagens no chamado
"1º troço", congelou a portagem da ponte 25 de Abril,
fez uma melhor aplicação da Lei das Finanças Locais (embora
insuficiente), parou a construção da barragem de Foz-Coa,
suspendeu o pagamento das propinas, deliberou a construção do
Alqueva com ou sem financiamentos comunitários.
Já nesse período foi possível divisar a "táctica
dupla" da maioria relativa. Por exemplo, na fiscalização
do SIS, inviabiliza com uma abstenção o projecto do PCP, mais
avançado, e "obriga" o PCP a viabilizar com uma
abstenção o próprio projecto PS, mais limitado. Uma táctica
semelhante nas propinas inviabiliza a revogação proposta pelo
PCP mas "obriga" o PCP a abster-se (face aos votos
contra do PSD e PP) na suspensão.
Já na aplicação da Lei das Finanças Locais, para impedir a
sua total aplicação, como propunha o PCP, o PS descansa na
abstenção do PSD.
O período até às presidenciais não impedia, apesar das
numerosas medidas positivas acima referidas, a aplicação de uma
das mais fundamentais políticas do PS, a das privatizações. É
assim que o PS, nas ratificações das privatizações decretadas
pelo Governo PSD, acaba em geral por dar o seu voto positivo.
Esta fase serve ainda para aprovar algumas leis positivas com os
votos PCP e PS. É assim com a revogação da legislação
cavaquista que limitava a liberdade de imprensa, e é assim com a
legislação sobre freguesias (competências e regime de
permanência), embora aqui mais tarde, na especialidade, o PS
tenha imposto soluções muito restritivas.
O fim do "período das presidenciais" marca a entrada
da política dura.
O PCP marca logo o debate do projecto das 40 horas, que o PS
chumba. Esse facto condiciona fortemente toda a evolução
política posterior.
O PSD ataca com o voto dos portugueses no estrangeiro. Na altura
o PS resistiu. Ainda vinham longe os compromissos da revisão
constitucional.
O PP dá a sua marca com o agravamento brutal das penas, que é
chumbado pelos outros partidos. Simultaneamente, abre em
Fevereiro a revisão constitucional apresentando o seu projecto.
O Governo consegue assinar um acordo de concertação social de
curto prazo em 24 de Janeiro, bem como um acordo com os
sindicatos da Função Pública, com um vasto calendário de
iniciativas.
O Governo obteve assim no plano social a folga que não estava a
ter no plano parlamentar, onde o clima se agudizava com a
aproximação da votação do Orçamento.
Estas movimentações preparavam o embate mais dramático, o do
Orçamento, onde o Governo se preparava para chantagear o
Parlamento com a possibilidade de uma crise política.
Alguns acontecimentos entretanto, permitiram confrontos sérios.
O mais grave foi a amnistia às FP25, votado pelo PS e PCP,
depois da mensagem do Presidente Soares a solicitá-la.
O Governo não deixa entretanto de prosseguir uma política de
melhoramento da imagem. É assim que o Primeiro Ministro vai ao
Parlamento, inaugurar a prática do debate mensal.
E é assim que é anunciada a mudança da hora, revogando-se a
decisão de Cavaco que nos pôs a viver com a hora dos
alemães...
Nem tudo eram boas novas: aumentaram a gasolina e os telefones,
entre outros produtos essenciais. Faleciam dois soldados na
Bósnia. As intempéries fustigavam largas zonas do país.
No plano da política europeia, depois de um caricato "murro
na mesa" dado por Jaime Gama, o que avultou foi o desleixo e
desconsideração com que foram tratados os interesses da pesca e
das conservas portuguesas no Acordo da Associação da União
Europeia com Marrocos, e ainda as consequências lesivas para
Portugal da antecipação da aplicação da política comum de
pescas.
É neste quadro que se chega ao Orçamento do Estado para 1996. O
PCP faz uma crítica cerrada. Lino de Carvalho duvida do previsto
aumento de PIB de 2,7% e fala de 1%; crítica a política de
habitação, dizendo que a baixa orçamental não poderá ser
colmatada por uma grande descida das taxas de juro em que
ninguém acredita; augura o aumento do desemprego; critica a
contenção salarial e a desvalorização das políticas sociais;
denuncia a escalada de privatizações.
O PCP põe-se do claro lado da oposição. O Governo vai negociar
com o PP, que assim fica com os lucros de um negócio sem
princípios, já que aprova o Orçamento de Maastricht, o tal
tratado que tanto dizia criticar. E Manuel Monteiro passa à
categoria de "querido inimigo".
Este debate do OE para 1996 foi o marco decisivo, que deu o tom
à legislatura. As consequências piores estavam ainda para vir.
(Continua)