«Já não há pachorra ...»

Por Octávio Teixeira
Membro da Comissão POlítica do CC do PCP


Na sequência da reunião do Comité Central realizada nos dias 24 e 25 de Janeiro passado, e como é normal, o Secretário-Geral do PCP realizou uma conferência de imprensa para dar público conhecimento dos resultados e decisões daquela reunião.

Repare-se nos títulos de dois jornais diários, no dia seguinte. Um escrevia: «Comunistas recusam aproximação ao PS». Outro titulava: «PCP não exclui aliança com o PS». Isto é, dois órgãos da comunicação social que estiveram presentes na mesma conferência de imprensa e, necessariamente, ouviram exactamente as mesmas palavras de Carlos Carvalhas, conseguiram encabeçar as suas peças com títulos inequivocamente contraditórios, com cada um a ser a negação do outro!

É evidente que esta situação não decorre da maior ou menor competência dos jornalistas ou das respectivas chefias de redacção. O que por detrás de situações destas se encontra, em meu entender, é o facto de a generalidade dos órgãos da comunicação social, e quanto à vida política, cada vez menos informarem e cada vez mais se assumirem como "analistas". Mas, geralmente, não analisam de forma politicamente desinteressada, de forma partidariamente neutra. Fazem-no tomando partido, "analisando", na perspectiva dos interesses tácticos (ou estratégicos) do PS/Governo (uns) ou o PSD/AD (outros). E, com demasiada frequência, desinformando, ou mesmo deturpando, acções, atitudes e posições do PCP. Procurando esconder o PCP.
A contradição dos títulos a que me referi anteriormente é um exemplo deste estado de coisas. Mas muitos outros exemplos poderia dar. Apenas mais dois.
Mais ou menos pela mesma altura, foi aprovado na Assembleia da República, com os votos do PCP, do PEV e do PS, um projecto de lei do PCP que obriga o Governo a combater as listas de espera no âmbito dos cuidados de saúde, através de uma melhor organização e de um maior aproveitamento das capacidades existentes no Serviço Nacional de Saúde. Ora, órgãos da comunicação social houve que trataram esse facto, a aprovação de um projecto de lei do PCP que defende os doentes e o SNS, como uma "ajuda" do PCP ao PS e ao Governo! Se alguma ajuda o PCP deu foi aos doentes que esperam meses por uma intervenção cirúrgica. Mas não ao Governo. Foi sim uma forte crítica e censura ao Governo, impondo-lhe, por lei, a obrigação de resolver um problema que há muito podia e devia ter resolvido.
Um outro exemplo, também recente, é o relacionado com a proposta de lei das quotas. O PCP tomou a sua posição sobre a matéria, e divulgou-a publica e sustentadamente, não se limitando, ao contrário de outros partidos, a dizer apenas não. O que retirou daí um diário da nossa praça, foi: "Marcelo tem o apoio do PCP"!

Como costuma dizer um camarada, "já não há pachorra...".

Porque a actividade na Assembleia da República é mais mediatizada que a actividade política geral, situações de desinformação e de confusão como as atrás referidas são recorrentes quanto às posições e aos votos do Grupo Parlamentar do PCP. Se são aprovados os nossos próprios projectos de lei ou as nossas propostas, lá vem alguma comunicação social afirmar que o PCP "fez o jogo" dos outros partidos que votaram connosco, ou que "salvou" o Governo. Se votamos favoravelmente uma proposta de lei do Governo, logo um jornal escreve que o PCP está a "aliar-se" ao PS. Se aprovamos algum projecto de lei do PSD, logo outros jornais (ou, até, os mesmos) escreverão que o PCP se juntou ao PSD numa "coligação negativa" (o substituto guterrista das "forças de bloqueio" cavaquistas). Que fazer?
Lendo o que, segundo alguma comunicação social (pelo que já referi, todas as cautelas são poucas), terá sido dito pelos Drs. Fernando Rosas e Villaverde Cabral, num debate na passada semana, deveríamos, pura e simplesmente, votar contra tudo o que viesse do Governo e não apresentar projectos nossos que "corram o risco" de terem o voto favorável do PS, porque, assim não sendo, isso significa «cooperação pontual com o Governo, mais enganadora e legitimadora do poder»! Significa isso que, pelo facto de o Governo do PS a apresentar como o "símbolo" das suas medidas de esquerda, o PCP não deveria ter tomado a iniciativa parlamentar de a apresentar e deveria ter rejeitado a lei do Rendimento Mínimo Garantido?
Não penso que isso pudesse ser para o PCP a atitude correcta, nem que ela servisse o interesse da esquerda que indubitavelmente somos.
Desde o início da actual legislatura o PCP se definiu, com toda a clareza e frontalidade, como a oposição de esquerda ao Governo do PS e à sua política. Fora e dentro da Assembleia da República. E não o definimos apenas. Têmo-lo sido! E somos a oposição de esquerda ao Governo do PS por respeito pelos compromissos que assumimos perante os portugueses que em nós confiaram e por coerência com a política que propomos e defendemos.
Ao longo destes mais de três anos de governação do PS, nunca na Assembleia da República faltou a voz e a acção do PCP para denunciar, criticar, e procurar travar, todas as medidas e propostas do Governo contrárias aos interesses do País e de quem trabalha, para desmontar e mostrar que, em questões centrais e fulcrais, a política do Governo do PS é uma política de direita. Quem, se não o PCP, por exemplo, combateu e combate na Assembleia da República as leis da flexibilidade e polivalência, as fraudes ligadas à lei das 40 horas, a aplicação dos critérios de Maastricht e o Tratado de Amesterdão, as propostas de lei das férias, as propinas, o aumento da idade de reforma para as mulheres, a cambalhota do PS na questão do aborto, ...?
Mas com o mesmo afinco, e com o mesmo sentido de responsabilidade, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou numerosos projectos de lei que visam dar resposta adequada, e pela esquerda, aos direitos dos trabalhadores ou das mulheres, a questões que se colocam nas áreas da saúde, da educação, da segurança social, da justiça, dos direitos das minorias, ...
E não sentimos qualquer constrangimento pelo facto de mais de trinta projectos de lei apresentados pelo PCP terem dado lugar a outras tantas leis da República. São leis positivas para o País e para os portugueses. São leis com um claro cunho de esquerda.
O grupo parlamentar comunista é oposição, e de esquerda, precisamente porque luta contra tudo o que é de direita e, simultaneamente, propõe e vota favoravelmente medidas que numa perspectiva de esquerda são favoráveis aos portugueses. Não seria mais de esquerda, nem mais oposição, se estivesse sempre no "contra" e praticasse a tese do "quanto pior, melhor". Antes pelo contrário!
E o facto de ter conseguido, ao longo deste período, que uma trintena dos seus projectos se transformassem em leis, que algumas propostas e projectos de lei negativos do Governo ou dos partidos da direita fossem rejeitados, e que algumas leis sejam menos más que o inicialmente proposto, mostra três verdades insofismáveis:

- a primeira, é a de que a aprovação dessas leis e dessas medidas propostas pelo PCP, e benéficas para os portugueses, só foi possível por não existir na Assembleia da República uma maioria absoluta de deputados de um único partido;
- a segunda, é a de que quanto mais deputados tiver o Grupo Parlamentar do PCP, quanto maior for o reforço político e eleitoral do PCP e da CDU, mais possibilidades haverá de multiplicar e potenciar estes resultados;
- a terceira, é a de que está feita a demonstração prática de que a viragem para uma política de esquerda só é possível com o PCP e com o reforço do PCP; porque nestes três anos de Governo do PS, nenhuma lei com cunho de esquerda, nenhuma medida de esquerda, foi aprovada sem ser por iniciativa do PCP ou sem o voto determinante do PCP!


«Avante!» Nº 1315 - 11.Fevereiro.1999