Contra o pacote laboral, por mais qualidade de vida
Jornada nacional da CGTP
reafirma decisão de lutar


As manifestações da semana passada, no Porto, em Lisboa e em Setúbal, trouxeram para as ruas os motivos de descontentamento, protesto e reivindicação que estiveram na origem das lutas travadas em empresas e sectores neste início de ano.

Outras acções tiveram lugar nos distritos de Portalegre, Santarém, Aveiro, Évora, Beja e Faro. Em todas foi afirmada a disposição de continuar a mobilizar os trabalhadores para uma forte intervenção na contratação colectiva e nas demais frentes de combate.
A ofensiva legislativa do Governo foi fortemente condenada, mantendo o movimento sindical a decisão de levar a cabo greves e manifestações na altura em que for agendada a discussão na AR da proposta de lei sobre generalização do trabalho a tempo parcial e respectivos incentivos ao patronato.
No pacote laboral incluem-se ainda outras graves propostas, saídas da Concertação Estratégica, com o empenhamento do Governo, o acordo da UGT, o aplauso da CIP e da CCP e o repúdio da CGTP. Entre outras matérias, o executivo de António Guterres e Ferro Rodrigues pretende também alterar o regime de férias (fazendo depender da assiduidade o gozo de mais de 10 dias de férias anuais), o conceito de retribuição (deixando de fora a parte variável), o lay-off (aumentando a comparticipação da Segurança Social em favor das empresas), o trabalho nocturno (diminuindo o período em que é obrigatória uma remuneração acrescida), a elaboração de leis laborais (concedendo o direito de participação às associações patronais).

Exigir
o possível

No manifesto que divulgou para apelar à participação na jornada nacional, a CGTP-IN defende que «os trabalhadores portugueses têm direito a viver melhor». Por um lado, «têm direito a ser compensados pelos enormes sacrifícios que lhes foram impostos em nome da adesão do nosso país ao euro e a usufruir do crescimento económico do País, garantido pelo seu trabalho» e «têm também direito a ver reconhecidos e praticados os seus direitos nos locais de trabalho e na sociedade».
O crescimento dos salários é fundamental para haver «mais qualidade de vida e de trabalho», lembrando a CGTP que «existe uma situação económica favorável», com previsões, para 1999, de um aumento do produto interno de 4 por cento e um aumento da produtividade de 3 por cento. A central reclama que este crescimento se reflicta nos salários, por forma a aproximá-los da média salarial dos países da União Europeia.
O documento, que sintetizou os objectivos da jornada e serviu de base para as moções e intervenções sindicais, acusa o Governo de «obsequiar o patronato com pareceres» que contribuem para que as 40 horas semanais ainda não sejam respeitadas em todas as empresas. A Intersindical Nacional propõe-se dar um «novo impulso à luta pelas 35 horas», porque «ter qualidade de vida significa também reduzir os horários de trabalho, ao mesmo tempo que tal redução é «um dos factores mais decisivos na criação de emprego».
A jornada condenou ainda a ofensiva privatizadora, exigindo a defesa e melhoria dos serviços públicos.


Públicos critérios
escolhas privadas

Ensinam nas escolas e nas redacções que um homem morder num cão é mais notícia do que qualquer canina dentada em humanas canelas. Entre os jornalistas, com as melhores razões próprias da profissão, e também com outros menos bons motivos, também são cultivados valores como a objectividade, a isenção, a independência. Até foi criado o conceito de «jornais de referência»...
Há também quem continue a defender que, tal como na sociedade, na política ou na economia, também na comunicação de massas as grandes linhas são dominadas pelos maiores
interesses.
Anda esta discussão morna. De vez em quando é «aquecida» com alguns justos protestos vindos do lado esquerdo da política ou dos lados mais desfavorecidos da sociedade. Mas a notícia dos protestos resulta dos critérios dominantes nos meios de informação, filtro que, nestes casos, funciona como auto-defesa.
Salva-nos a concorrência.
Na sexta-feira, por exemplo, era de esperar que os jornais falassem da jornada nacional da CGTP, das manifestações da véspera...
«Milhares de trabalhadores saíram ontem à rua em Lisboa, manifestando-se contra o Governo» - assim começava a notícia do «Público», no topo de... uma coluna de «breves», lá para a página 36! Não tinha fotografia, não falava das outras acções que integraram a jornada, dava conta das posições da CGTP sobre contratação, salários, horários e acerca da grave ofensiva legislativa desencadeada pelo Governo. Mas tudo isso foi arrumado em pouco mais de meia coluna, numa página par.
Na primeira página não houve, claro, qualquer referência à jornada. Com grande destaque, foi publicada uma inflamada foto de outra manifestação, que também teve lugar dia 4 em São Bento, «onde cerca de duas centenas de cidadãos da Guiné-Bissau queimaram uma bandeira francesa».
É evidente que prevaleceu um critério nesta escolha do «Público». É claro que os fiéis leitores do matutino da Quinta do Lambert terão que recorrer a outros meios para ficarem com uma visão mais completa da dimensão que teve um protesto de milhares de vozes.

Salva-os a concorrência?
Não é o caso do «Diário de Notícias». Seja lá por que motivos for, a verdade é que o «DN» de sexta-feira não dedicou uma única linha à acção da CGTP! Talvez o «critério» tenha sido... deixar o tema para o «Jornal de Notícias», pertença do mesmo grupo económico, que achou por bem dedicar à jornada a longínqua mas vasta página 20 da sua edição lisboeta.
Felizmente, há mais concorrência, como a que fazemos nestas páginas. Mas não estamos livres de que, em artigos ou em conversas, venham aí alguns leitores-escritores do «Público», do «DN» e de outras «referências» dizer que os trabalhadores estão desanimados, os sindicatos em crise e já nem sequer há manifestações de rua!...


As manifestações
da jornada nacional

No Governo Civil do Porto foram entregues 15 mil assinaturas, recolhidas entre os trabalhadores do distrito, em apoio a um documento de protesto contra o pacote laboral do Governo PS. Antes da partida do desfile, que no Porto teve lugar dia 3, várias intervenções de dirigentes da União dos Sindicatos do distrito denunciaram a situação social e laboral, exigiram «mais qualidade de vida» e denunciaram o facto de os trabalhadores serem constantemente os sacrificados, tanto em tempo de vagas gordas, como nos momentos de vacas magras. João Torres, coordenador da USP/CGTP, sublinhou a exigência de empregos com estabilidade, com direitos e com salários dignos, contra o sentido em que apontam as propostas legislativas contidas no pacote.

Cerca de dois mil trabalhadores, segundo a Lusa, desfilaram quinta-feira em Setúbal, expressando o receio de novos despedimentos nas empresas multinacionais instaladas no distrito. Citado pela agência noticiosa, Manuel Pisco, da comissão executiva da União de Sindicatos de Setúbal, responsabilizou o Governo pela falta de soluções para o desemprego estrutural do distrito, afirmando que mais de metade dos 40 mil desempregados estão nesta situação há mais de um ano.
O coordenador da USS/CGTP, Rui Paixão, denunciou mais algumas centenas de despedimentos que estão a ser preparados por algumas multinacionais. Referiu o caso da Borealis, em Sines, que «apesar de ter registado oito milhões e 200 mil contos de lucros em 1997, se prepara para despedir 150 trabalhadores». «O Governo PS limitou-se a constituir um grupo de trabalho para explicar aos trabalhadores visados como deverão fazer para criar micro-empresas», acusou Rui Paixão.
Uma delegação foi recebida pelo governador civil de Setúbal, para onde a manifestação se deslocou, partindo da Praça do Quebedo.

A manifestação de trabalhadores do distrito de Lisboa, na quinta-feira, partiu do Rossio em direcção à residência oficial do primeiro-ministro, ao som de palavras de ordem como «O pacote laboral não faz falta em Portugal», «Segurança Social é direito universal», «Mais salários, menos horários» ou «É preciso, é urgente uma política diferente».
Nas dezenas de faixas transportadas pelos manifestantes liam-se frases alusivas ao tema do protesto ou à situação de grupos de trabalhadores que ali se encontravam, como os da Fábrica de Chocolates Regina, os dos Cabos d'Ávila, do Metro, da Carris, da administração local ou dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas.
Em S. Bento, na concentração final, foi aprovada uma moção em que se «confirma o aviso ao Governo de que, a manter a intenção de alterar a legislação laboral, quando do agendamento na Assembleia da República, serão levadas a cabo greves e manifestações».
A revisão da legislação laboral foi também o tema principal da intervenção do coordenador da CGTP, no final da manifestação. Carvalho da Silva criticou especialmente o decreto-lei relativo à redução do período de trabalho nocturno, naquele dia aprovado em Conselho de Ministro. Referiu-se ainda ao novo regime de férias, lembrando que a tendência europeia é para alargar o número de dias, ao contrário do que se está a tentar fazer em Portugal, e garantiu que não são os trabalhadores que menos ganham que mais recorrem a falsas baixas.

O crescimento da economia portuguesa previsto para 1999 deve reflectir-se nos salários, como forma de iniciar este ano a sua aproximação à média salarial dos países da União Europeia, defendeu também no dia 4 a União dos Sindicatos do Algarve.
Em plenário efectuado em Faro, os delegados e dirigentes sindicais do distrito aprovaram por unanimidade uma moção em que recordam que os trabalhadores portugueses são os mais mal pagos da União Europeia.

A União de Sindicatos de Aveiro chamou a atenção para o problema do desemprego no distrito, que não diminui, e para outras questões laborais que contrariam o «optimismo oficial». Em conferência de imprensa, dada quinta-feira, Joaquim Almeida apontou empresas com processos de recuperação que se arrastam, o que pode lançar no desemprego centenas de trabalhadores (Oliva, Fosforeira de Espinho, Almagro e António Pereira Vidal).
O dirigente da USA/CGTP disse ainda que há empresas que simulam dificuldades para substituírem trabalhadores efectivos por empregos precários e multinacionais onde paira a ameaça de despedimentos. «Não há da nossa parte uma intenção alarmista, mas o encerramento de empresas multinacionais é uma ameaça a não subestimar», disse Joaquim Almeida. A Lusa refere ainda que o sindicalista aveirense considerou como um dado preocupante a estabilização dos indicadores do desemprego no distrito, já que em 1995 havia no distrito cerca de 16 mil desempregados e 1998 fechou o ano com 16478 desempregados.

Integrada na jornada da CGTP, a União dos Sindicatos de Portalegre levou a cabo, segunda-feira, uma marcha até ao Governo Civil, com partidas do Largo do Jardim Operário (trabalhadores da Robinson, em greve pelo pagamento de salários) e da Rua do Carmo (dirigentes e activistas reunidos em plenário distrital).
Também na segunda-feira, em Évora, o plenário de dirigentes e delegados sindicais deslocou-se ao Governo Civil, deu uma conferência de imprensa e distribuiu informação à população, na Praça do Giraldo, no Hospital Distrital, na sede da ARS e no Centro Regional de Segurança Social.
Na quinta-feira, dia 4, por iniciativa do Secretariado Inter-Regional do Alentejo da CGTP, procedeu-se à eleição da comissão intersindical da Obra de Alqueva e foram feitas reuniões com trabalhadores.

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Administração Local
juntou-se ao desfile

O plenário nacional de dirigentes e delegados sindicais dos trabalhadores das autarquias locais, que reuniu quinta-feira na Casa do Alentejo, decidiu deslocar-se para o Rossio, para integrar a manifestação que dali desfilou até São Bento.
Antes, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa aprovaram uma resolução com fortes críticas ao Governo, destacando «o acentuado contraste» entre as promessas e delcarações de intenção, por um lado, e «o verdadeiro rosto das intenções e da política prosseguida», desvendados no final de 1998 e início de 1999.
Os representantes dos sindicatos concordaram em «aprofundar o processo de esclarecimento e auscultação junto dos trabalhadores, conducente à decisão de outras formas de luta, bem assim como da sua intensificação».
Para já, o STAL e o STML vão promover, durante o mês de Fevereiro, uma jornada de «esclarecimento e denúncia» junto da população. Para 12 de Março ficou marcada uma iniciativa relativa ao suplemento de insalubridade, penosidade e risco; a data assinala o aniversário de uma conferência pública dos dois sindicatos, sobre o mesmo tema, que levou o Governo a apressar a publicação de um decreto-lei «a que, infelizmente, não deu a devida continuidade legal (aplicação à Administração Local no prazo de 150 dias)».
Na resolução é condenada a forma como foi feita a revisão das carreiras, considerando-se «fundamental e urgente» criar um novo sistema retributivo e um sistema de carreiras justo e adequado às novas realidades das autarquias.
Exige-se ainda a reabertura de um período de negociação suplementar, pedido pela Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, com o objectivo de obter um aumento salarial de 4,1 por cento e a garantia de um aumento mínimo de quatro contos por trabalhador. O Governo já respondeu a este pedido, agendando uma reunião com a Frente Comum para anteontem.

Os trabalhadores do sector operário da CM da Amadora decidiram anteontem paralisar no dia 1 de Março, em solidariedade com o pessoal do Departamento de Higiene e Salubridade, que tem uma greve marcada para os primeiros 5 dias do próximo mês, em protesto contra a intenção de privatização da recolha de lixo e limpeza de ruas no concelho, declarada recentemente pelo vereador Carlos Silva.
A direcção regional do STAL, que divulgou a moção aprovada por unanimidade e aclamação pelos 230 trabalhadores presentes no plenário, informou que está prevista para esta tarde uma reunião com o presidente da Câmara, de quem o sindicato espera o abandono do objectivo da privatização e a abertura de uma discussão conjunta sobre medidas para melhorar os serviços.
As propostas do sindicato, que tem denunciado a degradação dos serviços de limpeza de ruas e recolha de lixo, vão ser objecto de uma acção de esclarecimento junto da população. Para 22 de Fevereiro o sindicato anunciou a realização de um debate público, no auditório da CMA, com actuais e anteriores autarcas do concelho, técnicos e sindicalistas e outras câmaras, nomeadamente Lisboa e Cascais.


«Avante!» Nº 1315 - 11.Fevereiro.1999