EM FOCO


Mulheres, desemprego e discriminação


Portugal tem uma das mais avançadas legislações da Europa em matéria de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Na Europa comunitária, a directiva respeitante à igualdade de remunerações entre os dois sexos conta já com 20 anos de existência.

E no entanto...
No entanto, quer no País quer na União Europeia a realidade não deixa margem para dúvidas: as mulheres continuam a ser discriminadas a todos os níveis, a ser as principais vítimas do desemprego, a ser remetidas para funções «menores» e até mesmo estimuladas a ficar em casa confinadas ao papel de esposas e procriadoras. Os dois trabalhos que hoje publicamos são, mais do que um exemplo desta situação, um alerta para a necessidade de alterar uma política - uma mentalidade? - que persiste em subaproveitar as capacidades de mais de metade da população. As boas intenções não bastam. Impõem-se medidas que garantam às mulheres o pleno direito à cidadania.



Educação e (des)emprego no feminino


O acesso das mulheres licenciadas ao emprego

Por Margarida Botelho

Não há, actualmente, nenhum grau de ensino nem nenhuma profissão vedada às mulheres portuguesas. Pelo menos na lei. Em 95, dos licenciados com menos de 30 anos, 63 por cento eram do sexo feminino. No entanto, nas 50 maiores empresas do país, só uma tem mulheres nas estruturas de direcção. A discriminação existe?


É verdade que um quarto das mulheres do nosso país são analfabetas. Se nos lembrarmos que Portugal tem a segunda maior taxa da União Europeia de mulheres a trabalhar fora de casa, é fácil concluir que o emprego feminino é, na maior parte dos casos, desvalorizado, precário e não especializado.
Desvalorizado, porque os sectores tradicionalmente ocupados por mulheres são os que têm as mais baixas tabelas salariais (vejam-se os casos das profissões ligadas ao têxtil e ao calçado, ao ensino, à saúde e aos serviços sociais, todos com uma taxa de feminização perto dos 75 por cento).
O emprego feminino é precário, e um olhar rápido pelas estatísticas oficiais revela-nos isso mesmo; entre 95 e 96, o desemprego masculino baixou 2,2 por cento e o das mulheres subiu S, I por cento; metade das trabalhadoras por conta de outrem têm contratos não permanentes.
A falta de formação e especialização das trabalhadoras portuguesas constituem uma outra ordem de entraves ao emprego. Mas a tendência parece estar a mudar, pelo menos no que diz respeito à frequência do ensino superior.


A feminização do ensino superior

Na análise de todos os dados que apresentaremos de seguida, há que ter em conta um relatório da OCDE que revela que 55 por cento das jovens portuguesas com mais de 15 anos não estão na escola, nem no trabalho, nem inscritas em nenhum Centro de Emprego. Onde estão elas? Em empregos clandestinos, à espera de entrar para a universidade, em casa, desempregadas mas sem esperança na eficácia dos centros de Emprego? Não sabemos.
Ao certo, o que se sabe é que todos os anos quase 62 mil jovens ficam à porta da universidade. Ainda assim, e principalmente graças ao esforço das famílias que enviam os estudantes para as universidades privadas, quase um quarto dos jovens portugueses frequenta o ensino superior. Apesar disso, Portugal continua a ser o país da Europa com a mais baixa taxa de licenciados.
Dos estudantes do superior, 56,3 por cento são mulheres. E em 95, dos licenciados com menos de 30 anos, 63 por cento eram mulheres. No entanto, e como já dissemos, nas 50 maiores empresas do país, só uma tem mulheres nas estruturas de direcção.


O que se passa, afinal?

Os factos são indesmentíveis: há mais mulheres que homens a sair das universidades, mas mais homens a ocupar os lugares para os quais estão habilitados.
Não parece, portanto, disparatada a presunção da discriminação das mulheres no acesso ao emprego. E o PCP chegou mesmo a apresentar, durante a última legislatura, um projecto-lei que estabelecia regras para que isso não acontecesse. Alertado pelo caso do Banco Comercial Português (BCP) - que, lembremos, não admitia mulheres nos seus quadros -, o nosso Grupo Parlamentar propunha uma presunção de discriminação com base na confrontação da taxa de feminização das licenciaturas com a taxa de feminização dos empregos naquela área. Pelos números referidos acima, não é difícil perceber que a Inspecção-Geral do Trabalho teria muito a fazer. O projecto foi, porém, chumbado no último dia da última legislatura PSD.
Mascarar o fantasma da discriminação é tentador. É certo que os desempregados com uma licenciatura inscritos nos Centros de Emprego subiram 35 por cento no ano passado. É certo que ainda persistem valores tradicionais nas escolhas das mulheres em relação aos ramos de formação educacional, porque 70 por cento escolheram cursos de letras e de ciências da educação em vez dos chamados «sectores estratégicos», como as engenharias.
Mas isto não justifica tudo. A verdade é que o mercado de trabalho continua a preferir os homens às mulheres, Uma rápida vista de olhos pelos anúncios de ofertas de emprego revela isso mesmo.
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) considerou que 48 por cento dos anúncios de ofertas de emprego publicados em 94 eram discriminatórios, apesar de a lei estabelecer coimas para quem publique anúncios discriminatórios em função do sexo.
A CITE denunciou casos óbvios, como os que pediam exclusivamente homens. Mas denunciou também outros, mais subtis e muito mais frequentes: porque eram pedidos gestores e não gestoras, porque era «esquecida» a fórmula (M/F), porque se pede que o serviço militar obrigatório esteja cumprido, e em Portugal só os homens o cumprem. Está criada a barreira psicológica.


Entrevistas de emprego

Um estudo patrocinado pela CITE com 1200 trabalhadores revelou que a maior parte das mulheres conseguiu o seu primeiro emprego por meios não formais. Leia-se, por cunha. Os homens conseguiram-no, na maior parte dos casos, por convite ou por concurso.
Provar que se foi discriminada numa entrevista de emprego é praticamente impossível, porque será sempre a palavra da vítima contra a do entrevistador. Mas a verdade é que há perguntas sacramentais que são feitas a uma rapariga, recém-licenciada ou não, que se candidate a um emprego: se tem namorado, se vai casar, se está grávida, se pensa ter filhos, se já os tem.
As entidades empregadoras não querem perder tempo e dinheiro com uma trabalhadora grávida, que fique três meses com o bebé em casa, que vá com ele ao médico, que tenha redução de horário para aleitamento. As entidades empregadoras não querem, as mulheres continuam sujeitas ao desemprego ou ao trabalho precário.
Há casos de mulheres que ocultam a gravidez no momento da contratação, casos de mulheres que adiam os filhos até encontrar estabilidade no emprego, mulheres que assinam sob compromisso de honra que não ficarão grávidas até ao final do contrato. Há casos de mulheres que têm os filhos apesar da precariedade, porque já perderam a esperança de vir a ter uma vida profissionalmente estável. E não é difícil imaginar o número de abortos clandestinos que todos os dias são praticados neste país por mulheres postas entre a espada e a parede pelas ameaças mais ou menos veladas das entidades patronais.
Se o prejudica (e sublinhamos o «se»), ataque-se o problema de frente e não se use a maternidade como arma de arremesso contra as mulheres. Exija-se uma boa rede de assistência materno-infantil, uma rede de educação pré-escolar, a participação dos homens na educação dos filhos.
Ao nível da progressão na carreira, o problema é muito sério. Sendo quase metade dos trabalhadores por contra de outrem, as mulheres representam apenas I/5 dos quadros dirigentes. Em 94, a CITE denunciou o facto de a proporção das promoções de indivíduos do sexo masculino ser muito maior que do feminino na Administração Pública. Se o Estado se comporta assim, imaginemos os privados.
Entretanto, as propostas de redução do horário de trabalho e dos tempos parciais prejudicarão principalmente as mulheres. A proposta do Governo para reformar a Função Pública consiste na possibilidade de os trabalhadores optarem voluntariamente pela semana de quatro dias, recebendo menos 20 por cento do salário e progredindo mais lentamente na carreira.
Sujeitas à culpabilização (ideológica, porque volta à baila sempre em alturas de forte desemprego) que as empurra para ficar em casa com os filhos, as mulheres serão as primeiras a querer aceitar estas fórmulas. Que só as prejudicam: a nível salarial, da carreira, do próprio processo de emancipação.
Portugal tem das mais avançadas legislações da Europa em matéria de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Mas a verdade é que muitas delas são letra morta, O que há a fazer é exigir a efectivação da legislação. Exigir que se faça mais e melhor pelos direitos da grávida, dos pais trabalhadores, que se vá ao fundo do problema. Que se processe judicialmente os agentes da discriminação.



Igualdade de remunerações - para quando?


Por Fátima Garcia

A luta das mulheres por "salário igual, para trabalho de igual valor" é já muito antiga e tem consagração legal.
A nível da União Europeia o Tratado de Roma, estabelece no seu artigo 119º que «cada Estado-membro garantirá e manterá a aplicação do princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, por trabalho igual».


Vinte anos após a aprovação da Directiva relativa à igualdade de remunerações entre homens e mulheres continuamos a verificar que no conjunto dos Estados-membros existe uma diferença salarial entre 20 e 30% e que apenas 20% da contratação colectiva aborda o tema das desigualdades existentes.
Uma das razões que tem atrasado a aplicação desta legislação é a dificuldade existente em avaliar trabalho de igual valor, sem um sistema de avaliação profissional.
Há diferenças notórias nas descrições de empregos para mulheres e para homens, sendo os empregos masculinos frequentemente qualificados de técnicos e de elevada responsabilidade, comparados com os empregos femininos que tendem a ser descritos apenas em termos do esforço requerido. Há as classificações tendo por base as diferenças corporais (força física) e disponibilidade. Há a segregação vertical e horizontal dos empregos ocupados por homens e por mulheres (os empregos femininos continuam a ser menos menos remunerados).
Aos postos de trabalho podem, assim, ser atribuídos perfis diferentes, conforme quem está a descrevê-los.
Outro problema reside no facto de a legislação existente pecar por não definir os critérios para avaliar o valor dos trabalhos que serão postos em confronto.
E o caso complica-se ainda mais uma vez que, sendo consideradas comparáveis apenas situações existentes dentro da mesma empresa, não permite comparar situações dentro do mesmo sector e muito menos intersectorialmente.


«Código de conduta»
é insuficiente

Face a todas estas dificuldades a Comissão Europeia elaborou um "Código de Conduta relativo à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre homens e mulheres por trabalho de igual valor" destinado prioritariamente aos parceiros sociais aos vários níveis (nacionais, regionais e de empresa) e aos trabalhadores que entendam ser vítimas de discriminações salariais.
Este "Código de Conduta" fixa orientações relativas à análise das estruturas de remuneração e apresenta algumas ideias acerca do plano de acção a adoptar uma vez concluída a análise do regime de remunerações.
Sobre o conteúdo deste código, o Parlamento Europeu aprovou recentemente um relatório elaborado por Laura Gonzalez Alvarez, deputada espanhola do Grupo Esquerda Unitária Unitária (de que fazem parte os eurodeputados do PCP), em nome da Comissão dos Assuntos Sociais e do Emprego, em que se apontam algumas medidas concretas, tais como:

- assegurar a consulta e participação dos trabalhadores, sobretudo do sexo feminino, nos processos de negociação colectiva e na concepção e aplicação de sistemas de avaliação, não baseados no sexo, de postos de trabalho;
- fomentar a difusão do código entre os empresários, os trabalhadores e os rerpesentantes sindicais.

Por proposta de Sérgio Ribeiro, este relatório insta ainda os Estados-membros a criarem uma rede de peritos que procedam à verificação do cumprimento da legislação e a preverem processos e sanções que assegurem a sua aplicação concreta e solicita à Comissão e ao Conselho a rápida aprovação da directiva sobre o ónus da prova.
Embora, no geral, se considere que este código pode constituir mais uma ferramenta que pode contribuir para a igualdade de remunerações, por si só ele não será suficiente para eliminar as situações de discriminação existentes.
Como diz Laura Gonzalez Alvarez no seu relatório, a diferença entre os rendimentos dos homens e das mulheres deve-se não só a uma subavaliação do trabalho feminino, mas igualmente ao facto de as mulheres se concentrarem em determinados sectores da economia (segregação horizontal) ou nos escalões hiérarquicos mais baixos, tanto nas organizações públicas como privadas (segregação vertical), ou se encontram abrangidas por contratos atípicos que oferecem más condições de trabalho e escassa protecção social.
Se, 20 anos após a adopção da directiva relativa à igualdade de remunerações entre homens e mulheres, ainda se viu a necessidade de elaborar um "código de conduta", facilmente concluímos que, no que respeita a esta matéria, os progressos não foram suficientes.
O movimento sindical e os seus representantes nas negociações das convenções colectivas terão de estar mais atentos às formas mais ou menos explícitas de discriminação. As mulheres trabalhadoras terão de estar mais vigilantes na reivindicação deste direito.