A traição de Munique escancarou as portas a Hitler

Gustavo Carneiro

No final de Setembro de 1938, Adolf Hitler, Neville Chamberlain, Édouard Daladier e Benito Mussolini (líderes da Alemanha, Reino Unido, França e Itália) assinaram o Acordo de Munique, que a História recorda como traição de Munique. Com esse acordo, a Alemanha anexou a região checa dos Sudetas, com uma numerosa população germânica. A única contrapartida «imposta» a Hitler pelos governos britânico e francês foi a promessa de que esta seria a sua última reivindicação territorial. Não fosse trágico seria até cómico...

Quanto à Checoslováquia, nascida das cinzas da Primeira Guerra Mundial e do desmembramento do Império Austro-Húngaro, desaparecia uma vez mais do mapa político da Europa. Privada dos Sudetas, região fundamental para a defesa militar do país, a Checoslováquia perdeu ainda territórios para a Hungria e Polónia, viu a Eslováquia tornar-se «independente» e abertamente pró-germânica e, finalmente, soçobrou perante a ocupação do restante território pelas forças nazi-fascistas. Em seu lugar nascia o Protectorado da Boémia e Morávia, parte integrante do Reich [império] alemão.

O Acordo de Munique ilustra na perfeição o significado da chamada política de apaziguamento de Reino Unido e França face à ascensão e crescente agressividade do nazi-fascismo: concessões, cedências e, sobretudo, vontade de dirigir para Leste, contra a União Soviética, todo o poder da máquina de guerra nazi-fascista. Após terem abandonado à sua sorte a República espanhola e o seu governo de Frente Popular, França e Reino Unido deixavam também cair a Checoslováquia, à qual se encontravam, aliás, unidos por acordos militares. O termo «traição» assumia o seu significado pleno.

O profundo desprezo pela soberania do país da Europa Central ficou patente desde o início do processo que resultaria na celebração do Acordo: o governo checoslovaco não foi sequer convidado a participar na conferência em que se jogava o destino do seu Estado. Também a União Soviética, que se opunha ao desmembramento e ocupação da Checoslováquia e propusera sem sucesso a britânicos e franceses acções conjuntas para travar as pretensões hitlerianas, ficou igualmente de fora da convocatória.

Conivência, resistência, vitória

O domínio nazi-fascista sobre a Checoslováquia foi brutal. O primeiro líder do Protectorado, Konstantin von Neurath, chegou mesmo a ser afastado do cargo por a sua actuação ser considerada demasiado branda por Hitler. O seu substituto, ninguém menos que Reinhard Heydrich – chefe das SS e mentor da Solução Final – não padecia desse «problema», assim como os seus sucessores.

Na ocupação alemã da Checoslováquia, e consequente desmembramento do país, colaboraram sectores não pouco importantes da burguesia e segmentos da população de origem germânica, autêntica Quinta Coluna nazi-fascista. Mas a grande maioria do povo checo opôs-se ao diktat de Munique. A partir de Londres, o ex-presidente Eduard Benes organizou um governo no exílio e no interior do país os comunistas dinamizavam a resistência.

Para além das dramáticas consequências para a Checoslováquia, a traição de Munique constituiu um passo de gigante para o desencadear da Segunda Guerra Mundial. Mas a cumplicidade de franceses e britânicos com Hitler não se ficou por aí: da declaração de guerra que se seguiu à invasão alemã da Polónia, em Setembro de 1939, não resultou qualquer acção militar concreta e no ano seguinte a França rendeu-se sem luta.

Só na agressão à União Soviética, iniciada em Junho de 1941, é que o nazi-fascismo se deparou com efectiva resistência, oposta pelas Forças Armadas, o Partido Comunista e o povo soviéticos. Quatro anos e milhões de mortos depois, era derrotado em Berlim, já a bandeira vermelha ondulava no alto do Reichstag.




Mais artigos de: Argumentos

Afirmar a soberania, a paz e a cooperação

Os 100 anos do Armistício, antecâmara do fim da Primeira Guerra Mundial, foram pretexto para um aparatoso desfile militar no centro de Lisboa. Um desfile impossível de dissociar do contexto em que tem lugar, marcado por uma série de casos envolvendo as Forças Armadas. Daí que este desfile...

Uma espécie de náufragos

Informou-nos a televisão, e também naturalmente os outros «media», que Donald Trump ordenou que uns milhares de militares da «sua» Guarda Nacional se desloquem para a fronteira com o México com uma missão muito clara: impedirem a entrada nos Estados Unidos de um grupo de milhares de migrantes provenientes da América...