Cimeira da NATO em Varsóvia

Provocação belicista

Gustavo Carneiro
A cimeira que a NATO realiza em Varsóvia nos próximos dias representa, pelos seus objectivos, mais um ousado e perigoso passo no sentido da intensificação da sua acção agressiva e, nomeadamente, já forte pressão militar sobre a Federação Russa. Em Portugal, como noutros países, ecoará uma vez mais a exigência e a urgência de dissolução deste bloco político-militar agressivo.

A NATO tem hoje 28 membros e projecta-se em praticamente todos os pontos do mundo

Nas últimas semanas, em várias declarações e entrevistas, o secretário-geral da NATO, Jean Stoltenberg, revelou os objectivos da cimeira de Varsóvia, procurando disfarçar o seu carácter provocatório e belicista com as costumeiras declarações de apego à «paz», à «segurança» e ao «diálogo». Colocando de lado a retórica, importa perceber o que afirmou de facto o antigo primeiro- -ministro norueguês sobre esta cimeira e o que sobressai das acções concretas da NATO no terreno. As conclusões são preocupantes.

Numa entrevista recente a um órgão de comunicação social polaco, Stoltenberg reconheceu que um dos principais pr  opósitos da cimeira de Varsóvia é o reforço da presença de forças da NATO na «parte Leste da Aliança» (leia-se, junto às fronteiras da Federação Russa). Da cimeira deverá sair o acordo para a instalação na Polónia e nos países bálticos de «quatro robustos batalhões multinacionais» e considerável equipamento militar.

Por mais que procure transformar esta cada vez maior aproximação à Rússia numa resposta a uma suposta agressividade crescente deste país, o responsável da NATO faz por esquecer que este avanço para Leste não é novo, remontando pelo menos ao início da década de 90 do século XX e tornada possível com a profunda alteração da correlação de forças provocada pelo desaparecimento da União Soviética, do campo socialista e do Pacto de Varsóvia.

Durante décadas, a NATO, e por consequência os EUA, esteve o mais próxima que pôde do Leste da Europa (Grécia e Turquia tornaram-se membros da NATO em 1952 e a República Federal da Alemanha três anos depois), mas foi na década de 90 do século XX que iniciou um impetuoso alargamento que a coloca hoje às portas da Rússia. Em 1999, ano da agressão militar à antiga Jugoslávia e da adopção do seu novo conceito estratégico, a NATO passou a contar com três novos membros: República Checa, Hungria e Polónia; em 2004, foram os três estados do Báltico (Estónia, Letónia e Lituânia), a Eslováquia, a Bulgária, a Roménia e a Eslovénia a tornarem-se membros; a Croácia e a Albânia entraram em 2009.

Para breve poderá estar a adesão de Montenegro, pese embora as poderosas manifestações populares no país contra tal desígnio, enquanto a Geórgia, a Moldávia e a Ucrânia são considerados «parceiros» privilegiados da NATO. O cerco à Rússia é real e não fica por aqui...

Ponta de lança do imperialismo

Poucas semanas antes da cimeira marcada para amanhã e sábado em Varsóvia, a NATO realizou os seus maiores exercícios militares de sempre no Leste da Europa, nomeadamente na Polónia e nos países do Báltico. Com o revelador nome de «Anaconda 2016», estes exercícios envolveram 31 mil militares e milhares de veículos e contaram com a participação de 24 países. Como afirmou no início do mês o jornal britânico The Guardian, estes «jogos de guerra» constituíram o maior movimento de tropas estrangeiras na Polónia em tempo de paz e, simbolicamente, marcaram também a primeira vez desde a invasão nazi-fascista da União Soviética, iniciada em Junho de 1941, que tanques alemães cruzaram a fronteira polaca no sentido Oeste-Leste. Já no ano passado, a NATO levou a cabo manobras militares no Mar Báltico, no Mar Negro e na Ucrânia.

O papel actual da Polónia como «ponta de lança» da estratégia do imperialismo norte-americano de confrontação com a Rússia não fica apenas evidente no acolhimento da cimeira e dos monumentais exercícios militares que a antecederam. O facto de a Polónia ter participado no «Anaconda 2016» com 12 mil homens, o segundo maior contingente (só atrás dos 14 mil norte-americanos), é também revelador de um particular empenho no reforço da agressividade da NATO, a par do aumento significativo das despesas militares verificado no último ano.

Um outro facto diz tanto da actual Polónia como da natureza da NATO: a participação nos exercícios de duas das 17 brigadas de paramilitares actualmente existentes na Polónia, reconhecidas pelo ministro Grzgorz Kwasniak como uma «quinta força» militar, depois do Exército, da Marinha, da Aviação e das Tropas Especiais. Estas brigadas são constituídas por 35 mil homens e terão ligação a claques de futebol violentas e reconhecidamente racistas. Tal como noutros países da região, como a Hungria e a Ucrânia, também na Polónia forças de cariz fascista ganham força e têm ligações cada vez mais íntimas com o poder político.

Da mesma forma que, nos anos 40 e 50, acolheu no seu seio países como Portugal, Grécia e Turquia, submetidos a ditaduras fascistas e militaristas, também hoje a NATO conta com o apoio de movimentos de extrema- -direita e grupos paramilitares nazi-fascistas para prosseguir e intensificar a sua política agressiva e provocatória.

Garrote apertado

Particular gravidade assume a abertura recente, na localidade romena de Deveselu, de um dos componentes do sistema de «escudo anti-míssil» dos EUA e da NATO. No passado mês de Maio deste ano iniciou-se a construção de uma instalação similar em Redzikowo, no Norte da Polónia. O sistema deverá estar concluído e em pleno funcionamento no final de 2018.

No jornal que editaram, as organizações promotoras do acto público de amanhã, em Lisboa (ver página 32), garantem que este sistema só é defensivo na aparência, pois uma vez concluído e activo garantirá aos EUA, na prática, o monopólio da utilização de armas nucleares: «Ao contrário do que sucede actualmente, os EUA poderiam lançar um ataque (inclusivamente nuclear) contra um qualquer país do Mundo, ficando a salvo de uma eventual resposta», alertam.

Este sistema – composto por satélites, rampas de lançamento de mísseis, bases e navios militares – provocará não só um drástico desequilíbrio de forças como também, e inevitavelmente, desembocará numa nova corrida aos armamentos. Por mais que os EUA e a NATO garantam que este sistema, que pretendem estender da Gronelândia aos Açores, não visa a Rússia, as autoridades deste país vêem com preocupação a sua instalação (uma vez mais) junto às suas fronteiras.

A cimeira de Varsóvia marcará também o lançamento «oficial» da Força de Intervenção Rápida da NATO, composta por cinco mil homens e preparada para intervir em qualquer ponto do planeta em apenas 48 horas. Pelo menos parte destes militares ficarão instalados em países da Europa Central e Oriental.

O aperto do cerco à Rússia, sendo porventura um dos principais objectivos da cimeira de amanhã e depois, não é o único. O próprio secretário-geral da NATO, na já referida entrevista a um órgão de comunicação social polaco, referiu-se ainda ao alargamento da presença e acção da NATO no Médio Oriente e Norte de África, ao aumento dos gastos militares dos países membros europeus para dois por cento do PIB e ao reforço da cooperação entre a NATO e a UE como outros pontos constantes da agenda da reunião de Varsóvia. Todos eles desenvolvem decisões assumidas em cimeiras anteriores.

Aquando da sua criação, em Abril de 1949, a NATO estava limitada na sua acção e área de intervenção pela existência da União Soviética e de um forte e prestigiado campo socialista: os membros fundadores – EUA, Canadá, Islândia, Reino Unido, Portugal, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Dinamarca e Noruega – deram à organização a tão falada «vocação atlântica», mais por impossibilidade de ir mais longe do que propriamente por convicção. Isto ficou claro nos anos seguintes: em 1952 entraram Grécia e Turquia e em 1955 a República Federal da Alemanha. Deu-se depois o alargamento para Leste, como referimos.

A NATO serviu desde o início para justificar a instalação de consideráveis forças militares norte- -americanas na Europa, a pretexto da Guerra Fria e da «ameaça soviética», constituindo um sério entrave à soberania dos seus membros. Hastings Ismay, primeiro secretário--geral da NATO, sintetizou as razões que levaram à criação deste bloco político-militar: «manter os americanos dentro, os russos fora e os alemães em baixo.» Objectivos que se mantêm, pese embora as modificações ocorridas no mundo desde então.

Tentáculos globais

Mas analisar a extensão e influência da NATO apenas a partir dos seus membros é redutor, já que através das «parcerias estratégicas» e dos acordos bilaterais os seus tentáculos estendem-se praticamente a todo o mundo. Significado particular tem a abertura recente de uma delegação de Israel junto da NATO e a parceria com o Japão, que no ano passado revogou a disposição constitucional que desde a Segunda Guerra Mundial o impedia de participar em operações militares fora das suas fronteiras. As guerras na Jugoslávia, no Afeganistão, no Iraque e na Líbia têm também a marca da NATO, que mantém nesses e noutros locais significativos contingentes.

Sendo este bloco político- -militar, desde o início, um instrumento da política externa dos EUA, não devem ser igualmente desprezadas nesta avaliação a reactivação da IV Frota Naval (na América Latina), a criação do Africom (em África) e o reforço de forças navais e bases militares norte- -americanas na Ásia e no Pacífico, hoje uma das mais militarizadas regiões do mundo. Para além da Rússia, é a China que está na mira dos EUA e da NATO.

Também os gastos militares desmentem a tese – profusamente difundida pelos grandes meios de comunicação social – de que os EUA e a NATO se limitam a responder a um suposto aumento da «agressividade» russa e chinesa: os Estados Unidos da América e os seus aliados da NATO são responsáveis por metade das despesas militares mundiais; em 2015, os EUA sozinhos respondiam por 36 por cento do total, sendo que os três países que se lhe seguiam – a China, a Arábia Saudita e a Rússia (por esta ordem) – não chegavam juntos a metade do valor gasto pelos EUA. Se somarmos aos 28 países da NATO outros «parceiros» como a Arábia Saudita, Japão, Coreia do Sul, Austrália, os Emirados Árabes Unidos ou Israel, a superioridade é enorme.