Angola<br>– 55 Anos do início<br>da luta armada

Carlos Lopes Pereira

O início da luta armada de libertação nacional em Angola, há 55 anos, marcou o começo do fim do colonialismo português em África.

A 4 de Fevereiro de 1961, em Luanda patriotas angolanos atacaram prisões para libertar presos políticos, que iam ser levados para o campo do Tarrafal, em Cabo Verde.

Na madrugada de 4 de Fevereiro, patriotas armados de catanas atacam a Casa da Reclusão Militar, a Cadeia Civil de São Paulo, a cadeia da 7.ª esquadra da Companhia Móvel da PSP na estrada de Catete, a Emissora Oficial de Angola e o edifício dos CTT. O resultado não foi o planeado: «A operação não atinge o seu objectivo que era libertar os presos políticos do “Processo dos 50” que se encontravam, na sua maioria, na Casa da Reclusão Militar, mas o mundo fica a conhecer a revolta. Morreram 15 amotinados e muitos ficaram feridos. O outro grupo que deveria atacar o Aeroporto Craveiro Lopes e incendiar os aviões estacionados na placa e nos hangares (…) falhou a missão».

A rebelião armada teve o apoio do cónego Manuel das Neves e foi dirigida por Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, Domingos Manuel Mateus, Imperial Santana e Virgílio Francisco e executada por 220 homens. Os organizadores principais e muitos participantes eram do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que aglutinou e unificou vários núcleos de patriotas surgidos ao longo da década de 50.

Na altura, o MPLA, com dirigentes como Mário de Andrade, Viriato da Cruz e Lúcio Lara, tinha a sede em Conakry, capital da jovem República da Guiné. O médico e poeta Agostinho Neto, já então prestigiado líder do movimento popular que conduziu vitoriosamente a luta independentista de Angola, encontrava-se deportado na ilha cabo-verdiana de Santo Antão. Depois de várias prisões pela PIDE, ao longo dos anos 50, enquanto estudante em Portugal – acusado de ser um dos dirigentes do MUD Juvenil e de «actividades subversivas, de carácter comunista» – Neto concluiu o curso e os estágios de Medicina e regressou a Angola, em finais de 1959. Meses depois, foi preso em Luanda, transferido para Lisboa e, após meses na prisão, deportado para Cabo Verde, a sua cadeia com grades de água.

Em 1961, face ao grande movimento de solidariedade nacional e internacional, foi libertado da prisão e desterrado para Cabo Verde, onde esteve com residência fixa. Aquele que veio a ser o primeiro presidente da República Popular de Angola, o Dr. Agostinho Neto, saiu clandestinamente de Portugal por mar num pequeno iate, a partir do Algarve para o Norte de África, numa operação organizada pelo PCP.

Um facto que levou à rápida divulgação internacional das acções patrióticas do 4 de Fevereiro foi a presença em Luanda de numerosos jornalistas estrangeiros, atraídos pelos rumores da chegada próxima do paquete Santa Maria, com centenas de passageiros, apresado no mar das Caraíbas por um grupo anti-fascista chefiado por Henrique Galvão, dissidente do salazarismo.

«O povo rasga a noite colonial»

O 4 de Fevereiro de 1961, arranque da luta armada de libertação nacional, não aconteceu por acaso.

No começo dos anos 60, em contexto mundial favorável – a emancipação dos povos da Ásia e da África avançava com o apoio do campo socialista –, a resistência em Angola ampliava-se. Na clandestinidade, os militantes do MPLA e outros patriotas «forjavam as armas da insurreição». O aparelho colonial era impiedoso, aumentava a violência policial, espalhava-se entre os opressores o medo do contágio patriota com a independência do vizinho Congo, as cadeias angolanas estavam repletas de simpatizantes da causa da liberdade.

Um mês antes do ataque às prisões de Luanda, tinha ocorrido na Baixa de Cassange a revolta dos camponeses plantadores de algodão da empresa Cotonang. A repressão, com infantaria e aviação, provocou um massacre, a destruição de aldeias e a debandada de populações para países vizinhos.

De igual modo, a resposta das autoridades coloniais – tropa, polícia e milícias civis – ao 4 de Fevereiro em Luanda fez-se com a maior barbaridade.

Mário de Andrade, presidente do MPLA nesse momento, num texto intitulado «O povo rasga a noite colonial», publicado também pela Fundação Agostinho Neto, fala em «genocídio» e cita uma testemunha dos acontecimentos ocorridos desde o dia do funeral dos sete soldados e polícias portugueses tombados: «Enquanto os civis europeus se arremessam impetuosamente sobre os bairros africanos vizinhos do cemitério, a polícia e o exército atiram sobre todos os africanos visíveis. De manhã cedo, camiões de lixo passaram pela primeira vez nos bairros africanos, não para levar o lixo mas sim cadáveres empilhados: os corpos são deixados directamente no cemitério e deitados na vala comum. Nos postos da PIDE, a ocasião foi aproveitada para se desembaraçarem de centenas de presos, mortos friamente à baioneta “para economizar balas”. A caça ao homem prosseguiu nas ruas Luanda aos gritos de “matem Lumumba” (…)». Nesses dias, terão sido chacinados três mil angolanos em Luanda.

Estes e outros crimes do colonialismo português em África podiam ter sido evitados.

O MPLA, em Junho de 1960, endereçou ao governo de Lisboa uma declaração com condições para «uma solução pacífica do problema colonial em Angola». Em Novembro desse ano, também o PAIGC, liderado por Amílcar Cabral, enviou um memorando propondo medidas para «a liquidação pacífica da dominação colonial» na Guiné-Bissau e em Cabo Verde.

A ditadura colonial-fascista chefiada por Salazar rejeitou a opção pacífica e preferiu sujeitar o povo português e os povos angolano, guineense e moçambicano a longas e cruéis guerras, a que só a Revolução de Abril, em Portugal, e as independências das colónias africanas, até 11 de Novembro de 1975, puseram fim.

Esta será a maior lição do 4 de Fevereiro: face à opressão pela feroz ditadura fascista e à exploração pelo retrógrado sistema colonial português, só a luta armada podia libertar os povos.

 



Mais artigos de: Argumentos

Para acabar de vez<br>com a banca portuguesa?

Há uns anos, não muitos, Jorge Leitão Ramos, crítico de televisão sempre em falta além de crítico de cinema, traduziu um livro de Woody Allen, «Getting even», e deu um feliz título à edição portuguesa: «Para acabar de vez com a...

Ramal da Lousã – Projecto<br>do PCP relança esperança

A circulação no Ramal da Lousã foi encerrada a 4 de Janeiro de 2010. Os utentes são desde então transportados de autocarro, por acordo com uma empresa privada. Assim se encerrou um Ramal ferroviário que servia os populações de Coimbra, Miranda do Corvo e...