O caldeirão do inferno e o bezerro de oiro
«O Opus Dei não criou o reaccionarismo católico, antes teve nele o seu caldo de cultura. Mas sistematizou-o doutrinariamente e organizou os seus adeptos de uma forma quase militar. Hoje, funciona como uma espécie de Internacional reaccionária congregando coordenadamente adeptos em todo o mundo» (Henrique Júdice Magalhães, «O Opus Dei e a estratégia do Poder»).
«A pobreza é a principal causa da fome, a fome é também causa de pobreza e, portanto, de mais fome. Criminosos sistemas económicos são a principal causa da pobreza e da fome. O mundo produz comida suficiente para todos. O principal problema é que muitas pessoas no mundo não têm terra suficiente para crescer ou rendimento que lhes permita comprar comida suficiente» (Estatística da ONU 2013, «Fome, fale sem Medo»).
«É uma visão idílica imaginar que o Mercado Comum é uma associação de países ricos e filantrópicos, prontos a ajudar os países mais atrasados. O PCP tem assumido a defesa das relações económicas e comerciais com a CEE. Mas tem considerado que uma integração provocaria ainda maiores dificuldades à economia portuguesa… Os países do Mercado Comum defendem os seus interesses próprios e por eles estão prontos a sacrificar os interesses dos outros. Mesmo quando admitem o alargamento da comunidade a Portugal, Espanha e Grécia, não é para ajudarem os países que estão de fora mas para que a entrada destes sirva os interesses dos nove que já estão lá dentro... Nós, comunistas, não aceitamos que as decisões acerca dos problemas nacionais caibam ao imperialismo, caibam ao estrangeiro!» (Álvaro Cunhal, «Discursos», 1980).
A lenda do «caldeirão» vem de tão longe que diz respeito a tempos afastados, quando nas furnas serranas ainda havia actividade vulcânica. É uma história que alude às condições degradantes em que trabalhavam os pobres. Por outro lado, o bezerro de oiro é um mito bíblico que ficou como símbolo da impiedade dos homens ricos.
Ora, se é certo que nestas colunas do Avante! não há espaço para devaneios, também se sabe que uma imagem simples pode poupar palavras e transmitir melhor aquilo que se quer dizer. Nos tempos de Moisés, já os pobres trabalhavam nas furnas e coziam lamas, enquanto que os ricos prestavam culto aos ídolos de oiro. Rodaram longos milénios mas o caso é que estes símbolos podem ser transportados para os tempos actuais.
Os ricos (soube-se um dia destes) continuam a acumular fortunas e dão-se bem com a crise. O mais abastado deles tem na algibeira 69 mil milhões de dólares, enquanto o mais modesto apenas arrecadou 25,4 mil milhões. Foi de 1426 o número contabilizado destes senhores da Terra e muito certamente ficou por confessar. Curiosamente, estes gulosos multimilionários são publicamente identificados como generosos bem-feitores. Investem fortunas em actividades caritativas.
Os pobres também são notícia. Há uma cadeia diabólica – desemprego/pobreza/fome – que gera cada vez mais miséria no mundo capitalista. Estatísticas revelam, por alto, que cerca de um bilião de famintos vagueia em busca de alimentos; que o desemprego de longa duração fecha as portas a 200 milhões de trabalhadores; e que as crianças e os velhos são aqueles que mais sofrem com os monopólios.
Sem dúvida que estes quadros sinistros se alimentam da gula dos ricos e da corrupção dos políticos. E não menos certo é que, lá atrás, mascarados com os hábitos da caridade, perpassam as caricatas imagens dos cardeais. O panorama é macabro e exige um minuto de atenção e muitas horas de acção, se quisermos mudar a sociedade.
Nos antiquíssimos tempos do homem das furnas de que falámos, não havia a consciência de que se caminhava para sistemas brutais de exploração. Mas esboçava-se um «sexto sentido» de que tal viria a acontecer. Por isso, a tradição popular traçou ao nosso homem uma personalidade e deu-lhe um nome: chamou-lhe Pero Botelho. Era mau, era porco, era mentiroso e sinistro. O facto de ter sido engolido, um dia, por um poço de enxofre que se abriu debaixo dos seus pés, nenhuma simpatia popular lhe trouxe numa sociedade pré-religiosa que, afinal, já era classista. Mesmo sem o saber.
Outros juízos qualificaram os bezerros de oiro. Afinal, os Antigos caminhavam do politeísmo para o monoteísmo e da organização tribal para as tiranias e para o poder absoluto.
Os adoradores do bezerro de oiro foram bem tratados.