O colonialismo francês nas Antilhas e na Guiana

O actual estatuto das colónias

Ana Maria Saldanha

De­pois de 500 anos de co­lo­ni­zação eu­ro­peia nos cinco con­ti­nentes, a co­lo­ni­zação per­siste ora sob a forma co­lo­nial ora sob a forma ne­o­co­lo­nial. Neste ar­tigo re­ferir-nos-emos, to­davia, não ao ne­o­co­lo­ni­a­lismo mo­derno – po­lí­tica im­pe­ri­a­lista que pre­tende salvar o co­lo­ni­a­lismo da sua li­qui­dação -, nas­cido após a in­de­pen­dência das co­ló­nias antes sob o do­mínio po­lí­tico eu­ropeu (hoje sob o do­mínio eco­nó­mico das an­tigas me­tró­poles ou de ou­tras po­tên­cias mun­diais), mas sim ao co­lo­ni­a­lismo po­lí­tico e eco­nó­mico de ter­ri­tó­rios que con­ti­nu­aram sob a de­pen­dência di­recta da me­tró­pole, se­gundo a ló­gica de sub­missão im­pe­ri­a­lista na qual a «su­bor­di­nação mais lu­cra­tiva e “có­moda” para o ca­pital fi­nan­ceiro é uma su­bor­di­nação que traz con­sigo a perda da in­de­pen­dência po­lí­tica dos países e dos povos sub­me­tidos»1. Vamos de­bruçar-nos sobre a questão co­lo­nial fran­cesa, no­me­a­da­mente no que diz res­peito aos ter­ri­tó­rios das Ca­raíbas e Sul ame­ri­cano da Guiana, da Mar­ti­nica e da Gua­da­lupe.

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Após um longo per­curso po­lí­tico, a lei de 19 de Março de 1946 trans­forma as co­ló­nias da Guiana, da Gua­da­lupe, da Mar­ti­nica e da Reu­nião em de­par­ta­mentos fran­ceses ul­tra­ma­rinos (DOM). O ob­jec­tivo con­sistia em ter­minar com a de­no­mi­nação e imagem co­lo­nial e, assim, in­te­grar de pleno di­reito as co­ló­nias na me­tró­pole. Após o pe­ríodo pós-es­cla­va­gista (1849-1946), os ha­bi­tantes as­su­mi­riam, deste modo, as qua­li­dades de ci­da­dãos fran­ceses, sendo re­gidos pelo mesmo quadro ju­rí­dico que os ci­da­dãos da me­tró­pole. Pro­cedia-se, pa­ra­le­la­mente, a uma trans­for­mação so­cial da Me­mória, in­fe­ri­o­ri­zando, através de uma po­lí­tica cul­tural de as­si­mi­lação, a his­tória da es­cra­va­tura assim como a vi­o­lenta his­tória pe­ni­ten­ciária fran­cesa (Guiana).

Ac­tu­al­mente (desde a as­si­na­tura do Tra­tado de Roma, em 1957), a Gua­da­lupe, a Guiana, a Mar­ti­nica e a Reu­nião cons­ti­tuem as RUP2 - Re­giões Ul­tra­pe­ri­fé­ricas eu­ro­peias: «As RUP ca­rac­te­rizam-se por uma fraca den­si­dade po­pu­la­ci­onal e por uma grande dis­tância em re­lação ao con­ti­nente eu­ropeu. De­vido à sua si­tu­ação es­pe­cial cons­ti­tuem pontas de lança da Eu­ropa para o de­sen­vol­vi­mento de re­la­ções co­mer­ciais com os países ter­ceiros vi­zi­nhos ge­ral­mente menos de­sen­vol­vidos»3. Ora, é pre­ci­sa­mente graças ao con­junto das re­giões ul­tra­pe­ri­fé­ricas que a União Eu­ro­peia dispõe do pri­meiro ter­ri­tório ma­rí­timo mun­dial, com 25 mi­lhões de km2 de zona ex­clu­siva eco­nó­mica (ZEE). O in­te­resse da Gua­da­lupe, da Guiana, da Mar­ti­nica e da Reu­nião es­tende-se, deste modo, para além dos in­te­resses fran­ceses, ser­vindo os in­te­resses geo-es­tra­té­gicos das po­tên­cias eu­ro­peias4.

Em 2002, a moeda única eu­ro­peia aplicou-se às RUP, a qual, jun­ta­mente com os pro­blemas es­tru­tu­rais li­gados à de­pen­dência eco­nó­mica e po­lí­tica em re­lação à me­tró­pole, pro­vocou uma queda do poder de compra e de­se­qui­li­brou eco­no­mias já fra­gi­li­zadas. Neste con­texto, o cons­tante au­mento do de­sem­prego nos anos que pre­ce­deram a ac­tual crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo foi par­ti­cu­lar­mente sen­tido nas co­ló­nias ul­tra­ma­rinas. Se­gundo os dados da Eu­rostat de Fe­ve­reiro de 2009, foram os quatro ter­ri­tó­rios fran­ceses ul­tra­ma­rinos que atin­giram a mais alta taxa de de­sem­prego de toda a Eu­ropa, em 2007: 25.2% na Reu­nião, 25% na Gua­da­lupe, 22% na Mar­ti­nica, 21% na Guiana5.

 

A Guiana Fran­cesa

 

A Guiana Fran­cesa é a única co­lónia fran­cesa con­ti­nental, sendo cons­ti­tuída por um ter­ri­tório de 90 000 Km2 (su­per­fície equi­va­lente à de Por­tugal), na sua mai­oria co­berto pela Flo­resta equa­to­rial. A mai­oria da po­pu­lação (apro­xi­ma­da­mente 200 000 ha­bi­tantes) con­centra-se na ca­pital, Cayenne, e no li­toral – os ter­ri­tó­rios do in­te­rior são pra­ti­ca­mente ina­bi­tados. A mai­oria da po­pu­lação tem menos de 25 anos, sendo o ter­ri­tório francês com maior taxa de na­ta­li­dade. Apesar disso, o de­sem­prego – que atinge, se­gundo os dados ofi­ciais, 21 % da po­pu­lação – afecta so­bre­tudo as ca­madas mais jo­vens.

Eco­no­mi­ca­mente, a Guiana mantém-se, na es­teira dos in­te­resses do ca­pital fi­nan­ceiro, de­pen­dente da me­tró­pole e da União Eu­ro­peia. Assim sendo, o dé­fice da ba­lança co­mer­cial é ex­tre­ma­mente ele­vado: o total de im­por­ta­ções nos dois pri­meiros tri­mes­tres de 2010 foi de 510 mi­lhões de euros en­quanto, para o mesmo pe­ríodo, o total de ex­por­ta­ções foi de apenas 80 mi­lhões de euros. Os prin­ci­pais pro­dutos ex­por­tados são re­ex­por­ta­ções de ma­te­riais e equi­pa­mentos im­por­tados para o sector es­pa­cial. Com efeito, a eco­nomia gui­a­nesa re­pousa so­bre­tudo na ac­ti­vi­dade do Centro Es­pa­cial Gui­anês (que re­pre­senta apro­xi­ma­da­mente 30% do PIB gui­anês e gere 1/​3 dos tra­ba­lha­dores gui­a­neses (tra­balho di­recto, in­di­recto e in­du­zido). Nesse sen­tido, pa­ra­le­la­mente aos in­te­resses geo-es­tra­té­gicos e mi­li­tares da Guiana (de­sig­na­da­mente em re­lação à sua po­sição es­tra­té­gica na Amé­rica do Sul), o Centro Es­pa­cial Gui­anês tem um in­te­resse fun­da­mental para a França e para a União Eu­ro­peia. Criado em 1964, a de­cisão de o im­plantar na Guiana teve a ver com o facto de esta se en­con­trar numa po­sição ge­o­grá­fica fa­vo­rável (pro­xi­mi­dade da linha equa­to­rial) e de ser me­te­o­ro­lo­gi­ca­mente es­tável (não há, por exemplo, tu­fões, como nas Ca­raíbas). O rá­pido de­sen­vol­vi­mento do Centro Es­pa­cial per­mitiu à França e à Eu­ropa atingir uma au­to­nomia em ma­téria es­pa­cial. A so­ci­e­dade anó­nima Ari­a­nes­pace (ca­pital 41,2 mi­lhões de euros) – mo­no­pólio que as­se­gura a ex­plo­ração co­mer­cial do fo­guetão Ariane – detém ac­tu­al­mente 60% do mer­cado mun­dial do lan­ça­mento de sa­té­lites. Criada em 1980 pelo Centro Na­ci­onal de Es­tudos Es­pa­ciais (CNES) – es­ta­be­le­ci­mento pú­blico francês de ca­rácter in­dus­trial e co­mer­cial criado em 1960 por 43 in­dus­triais eu­ro­peus e 12 bancos –, a Ari­a­nes­pace foi a pri­meira so­ci­e­dade co­mer­cial de trans­porte es­pa­cial.

Ora, en­quanto o mo­no­pólio do sector es­pa­cial se de­sen­volve e a flo­resta é de­vas­tada pela ex­tracção de ouro clan­des­tina, sub­sistem graves ca­rên­cias na agri­cul­tura. Apesar de mais de 80% das terras per­ten­cerem, hoje em dia, ao Es­tado (fa­zendo parte do seu do­mínio pri­vado), o in­cre­mento de uma agri­cul­tura sus­ten­tável não está na ordem do dia dos ob­jec­tivos fran­ceses (o nú­mero de tra­ba­lha­dores na agri­cul­tura e nas pescas não cessa de de­crescer – em 2008 apenas foram re­cen­se­ados 339 tra­ba­lha­dores). O de­sin­ves­ti­mento co­lo­nial afecta, igual­mente, as redes de es­trada e de trans­portes. Apenas existe, por con­se­guinte, uma única es­trada, a qual liga todo o li­toral. As co­munas do in­te­rior apenas são ser­vidas por trans­portes ma­rí­timos (pi­rogas) ou, em raros casos, aé­reos (avião).

O pre­cário de­sen­vol­vi­mento agro-in­dus­trial re­gi­onal e o de­sem­prego con­se­quente têm um im­pacto ne­ga­tivo na qua­li­dade de vida da mai­oria da po­pu­lação gui­a­nesa6. Os preços na Guiana são 13% su­pe­ri­ores aos preços na me­tró­pole. Tendo em conta o con­sumo médio das fa­mí­lias em re­lação a um con­junto de pro­dutos si­mi­lares, uma fa­mília gui­a­nesa paga mais 19.6% do que uma fa­mília me­tro­po­li­tana, uma fa­mília mar­ti­ni­quesa mais 16.9% e uma fa­mília da Gua­da­lupe mais 14.8%. O custo dos pro­dutos ali­men­tares – que re­pre­sentam, de­pois dos ser­viços, o se­gundo grupo de des­pesas das fa­mí­lias gui­a­nesas – é su­pe­rior em 49% ao seu custo na me­tró­pole.

 

A Gua­da­lupe

 

Ao con­trário da Guiana, a Gua­da­lupe (apro­xi­ma­da­mente 405 000 ha­bi­tantes para 1704 km27) e a Mar­ti­nica (apro­xi­ma­da­mente 400 000 ha­bi­tantes para 1100 km28) são ilhas den­sa­mente po­vo­adas. A Gua­da­lupe é um pe­queno ar­qui­pé­lago si­tuado no co­ração das An­ti­lhas, pos­suindo, como a Guiana, uma po­pu­lação ex­tre­ma­mente jovem (se­gundo uma es­ti­ma­tiva do INSEE feita em 2009, 30.4% da po­pu­lação tinha menos de 20 anos). A taxa de de­sem­prego é, to­davia, três vezes su­pe­rior à ve­ri­fi­cada na me­tró­pole: em 2009 foi de 23.5%, es­ti­mando-se o seu au­mento de 1.8 pontos per­cen­tuais por ano. Assim, apesar de 80% da po­pu­lação ter menos de 59 anos, 60% dos jo­vens ac­tivos estão de­sem­pre­gados e mais de me­tade dos de­sem­pre­gados da Gua­da­lupe são-no há, pelo menos, três anos.

A eco­nomia mais im­por­tante é cons­ti­tuída pela agri­cul­tura e pelo tu­rismo. Porém, a de­pen­dência da me­tró­pole e o não in­ves­ti­mento no sector pro­du­tivo re­gi­onal fez com que o dé­fice co­mer­cial se ele­vasse, em 2009, a 1650 mi­lhões de euros. O prin­cipal cli­ente é a França, que ex­portou mais de 1000 mi­lhões de euros de pro­dutos para a co­lónia an­ti­lhesa, logo se­guido pelos Es­tados Unidos da Amé­rica (cujas ex­por­ta­ções fi­caram, to­davia, aquém dos 200 mi­lhões de euros). A França é, igual­mente, o prin­cipal cli­ente da ilha, tendo im­por­tado, apro­xi­ma­da­mente, 70 mi­lhões de euros.

Tal como na Guiana, também na Gua­da­lupe os preços são su­pe­ri­ores aos da França me­tro­po­li­tana (+ 8.3%). Os pro­dutos ali­men­tares (es­sen­ci­al­mente pro­ve­ni­entes da im­por­tação) são os pro­dutos mais caros em re­lação à me­tró­pole (+ 21.3%), logo se­guidos por ou­tros bens e ser­viços (+ 20.9%) e pela Saúde (+ 15.3%).

O não de­sen­vol­vi­mento do sector pro­du­tivo re­gi­onal agrava esta si­tu­ação de de­pen­dência eco­nó­mica. Deste modo, 84% dos em­pregos as­sa­la­ri­ados dizem res­peito ao sector ter­ciário. Quanto à pro­dução re­a­li­zada na ilha, entre o ano 2008 e o ano 2009, apenas a pro­dução de ba­nanas so­freu um au­mento de 7.6%, sendo que a pro­dução de açúcar (- 12.4%), de carne bo­vina (- 5.5%), de carne por­cina (- 3.9%), de veí­culos de tu­rismo (- 1.5%) e de veí­culos uti­li­tá­rios (- 15.7%) de­cresceu con­si­de­ra­vel­mente. Neste quadro eco­nó­mico, o PIB por ha­bi­tante é 39% in­fe­rior ao PIB me­tro­po­li­tano (PIB/​ha­bi­tante Gua­da­lupe (2009, €): 18.170; PIB/​ha­bi­tante França (2009, €): 29.571).

 

A Mar­ti­nica

 

Dos três ter­ri­tó­rios co­lo­niais ame­ri­cano-ca­rai­benses, a Mar­ti­nica é o menor (a sua su­per­fície é equi­va­lente à do Centro Es­pa­cial Gui­anês). Em termos po­pu­la­ci­o­nais, o nú­mero de jo­vens da Mar­ti­nica com menos de 25 anos é in­fe­rior quer ao da Gua­da­lupe quer ao da Guiana (em 2009, apenas 7.3% da po­pu­lação tinha menos de 25 anos). No en­tanto, também nesta ilha a taxa de de­sem­prego ul­tra­passa os 20%: entre os jo­vens ac­tivos com menos de 25 anos, 61.2% estão no de­sem­prego. Como na Gua­da­lupe e na Guiana, a mai­oria do tra­balho as­sa­la­riado (74.4%) diz res­peito ao sector ter­ciário (em 2009, apenas 5.2% dos tra­ba­lha­dores as­sa­la­ri­ados tra­ba­lhavam no sector agrí­cola e pes­queiro). Em termos de ren­di­mentos anuais, 60% das de­cla­ra­ções fis­cais de­claram menos de 13 150 euros por ano (ou seja, o equi­va­lente a um sa­lário mensal in­fe­rior a 1028 euros), en­quanto na me­tró­pole apenas 38.5% das de­cla­ra­ções fis­cais de­claram ren­di­mentos in­fe­ri­ores a este valor. Da­queles, 47.9% de­claram um ren­di­mento in­fe­rior a 9400 euros9.

A im­por­tação dos bens de con­sumo en­contra-se, neste con­texto, em cres­ci­mento (+ 11.4% por ano)10. O prin­cipal par­ceiro eco­nó­mico é a União Eu­ro­peia (2/​3 das im­por­ta­ções) – no­me­a­da­mente a França (58.1% do valor das im­por­ta­ções da ilha) –, se­guindo-se a Amé­rica do Norte11 (9.9% das im­por­ta­ções). A Gua­da­lupe, a Guiana, São Mar­tinho e São Bar­to­lomeu – De­par­ta­mentos Fran­ceses Ame­ri­canos (DFA) – são, por seu lado, os prin­ci­pais des­ti­na­tá­rios das ex­por­ta­ções (61% das ex­por­ta­ções da Mar­ti­nica são para os DFA – 82% das quais são cons­ti­tuídas por com­bus­tível e car­bu­rantes), logo se­guidos pela França (32%). Apesar de uma evo­lução fa­vo­rável da fi­leira da ba­nana – cujas ex­por­ta­ções para a União Eu­ro­peia se en­con­tram em cres­ci­mento (+ 19.6%) – a res­tante ac­ti­vi­dade do sector pri­mário, à imagem do que acon­tece na Guiana e na Gua­da­lupe, é mar­ginal e en­contra-se em de­cres­ci­mento. Neste con­texto, os preços mar­ti­ni­queses são su­pe­ri­ores aos preços me­tro­po­li­tanos (+ 9.7%)12. Como na ilha sua vi­zinha e na Guiana, a maior di­fe­rença diz res­peito ao preço dos pro­dutos ali­men­tares (+ 29.5%) e aos preços de ou­tros bens e ser­viços (+ 28.2%).

Ora, o facto de o prin­cipal pro­duto de ex­por­tação dizer res­peito à energia, prende-se com o facto de a única em­presa que dis­tribui hi­dro­car­bo­netos para a Gua­da­lupe e para a Guiana se si­tuar na Mar­ti­nica. A So­ciété Anonyme de la Raf­fi­nerie des An­tilles (SARA) é uma re­fi­naria im­plan­tada desde 1969 na Mar­ti­nica, com o aval e im­pulso dos po­deres pú­blicos. A SARA (50% das ac­ções per­tencem ao grupo pe­tro­lí­fero francês TOTAL, 23% ao grupo Shell (Vito), 14.5% ao grupo Esso e 11.5% ao grupo Te­xaco) é, igual­mente, a única so­ci­e­dade que ex­plora os de­pó­sitos de hi­dro­car­bo­netos na Mar­ti­nica, na Gua­da­lupe e na Guiana, ex­por­tando pe­tróleo bruto, so­bre­tudo da União Eu­ro­peia ou da Amé­rica do Norte, para, de­pois, re­ex­portar uma parte da sua pro­dução de hi­dro­car­bo­netos re­fi­nados para as pos­ses­sões fran­cesas. Por outro lado, apesar de se si­tu­arem ge­o­gra­fi­ca­mente longe do ter­ri­tório eu­ropeu (e, por con­se­guinte, dos lo­cais de pro­dução) a Guiana, a Mar­ti­nica e a Gua­da­lupe obe­decem às es­pe­ci­fi­ca­ções dos car­bu­rantes es­ta­be­le­cidas pelas di­rec­tivas eu­ro­peias. O facto de as três pos­ses­sões fran­cesas se en­con­trarem longe da pro­dução pe­tro­lí­fera eu­ro­peia (o que au­menta con­si­de­ra­vel­mente os custos) assim como as cons­tantes mar­gens de lucro ele­vadas da SARASARA, os custos des­me­su­rados no trans­porte do pe­tróleo e a so­bre­va­lo­ri­zação da margem de lucro dos gros­sistas. Num con­texto de con­cen­tração e de acu­mu­lação de ca­pital, é, em suma, um mo­no­pólio – como a So­ci­e­dade Ari­a­nas­pace, na Guiana – quem lucra com a po­lí­tica im­pe­ri­a­lista co­lo­nial en­quanto os sec­tores pro­du­tivos re­gi­o­nais se en­con­tram sub­de­sen­vol­vidos. pro­vocou os grandes mo­vi­mentos de massas guiano-an­ti­lheses re­centes. Foi, assim, posto à luz do dia a opa­ci­dade da po­lí­tica de preços da

 

Si­mi­li­tudes e di­fe­renças da luta de classes

nas An­ti­lhas e na Guiana

 

Quando, em 1946, a França pro­cede ao as­si­mi­la­ci­o­nismo ju­rí­dico e, con­se­quen­te­mente, so­cial, das suas quatro ve­lhas co­ló­nias, a luta de classes agu­diza-se. O pro­le­ta­riado das co­ló­nias exige, então, a apli­cação aos DOM dos mesmos di­reitos de que be­ne­fi­ci­avam os me­tro­po­li­tanos. É, assim, sob a pressão dos tra­ba­lha­dores que o re­gime de Se­gu­rança So­cial se es­tende às co­ló­nias (1948), que é ins­tau­rado um sa­lário mí­nimo (ini­ci­al­mente in­fe­rior ao me­tro­po­li­tano) e que o acrés­cimo sa­la­rial (de 40% na Gua­da­lupe, na Mar­ti­nica e na Guiana, e de 53%, na Reu­nião) atri­buído a todos os tra­ba­lha­dores e fun­ci­o­ná­rios do sector pú­blico que vi­vessem na me­tró­pole e que se ins­ta­lassem nos DOM (lei de 3 de Abril de 1950) é es­ten­dido aos fun­ci­o­ná­rios pú­blicos au­tóc­tones (em 1953). Apesar deste acrés­cimo in­tro­duzir uma grande dis­pa­ri­dade nos tra­ta­mentos sa­la­riais do sector pú­blico e do sector pri­vado, o de­sen­vol­vi­mento da luta de classes obrigou o sector pri­vado quer a ali­nhar os seus sa­lá­rios pelos sa­lá­rios da função pú­blica local e pelos sa­lá­rios me­tro­po­li­tanos quer a ter em conta o Sa­lário Mí­nimo na­ci­onal.

Mais re­cen­te­mente, entre Ja­neiro e Março de 2009, uma nova luta de massas atingiu a Guiana, a Mar­ti­nica, a Reu­nião e a Gua­da­lupe. A sua origem re­monta a De­zembro de 2008, na Gua­da­lupe, quando um mo­vi­mento se inicia contra os ele­vados preços pra­ti­cados pela SARA. O mo­vi­mento da Gua­da­lupe, li­de­rado pelo co­lec­tivo LKP (que re­a­grupa mais de qua­renta or­ga­ni­za­ções sin­di­cais, cul­tu­rais e po­lí­ticas), foi ga­nhando uma im­por­tância so­cial cres­cente, con­se­guindo, após uma greve de 45 dias, que um acordo fosse as­si­nado entre os sin­di­catos, o pa­tro­nato da ilha, o Es­tado e as co­lec­ti­vi­dades lo­cais, es­ta­be­le­cendo um au­mento sa­la­rial de 200 euros para os sa­lá­rios mais baixos, a baixa dos preços para os pro­dutos de pri­meira ne­ces­si­dade, a in­ter­dição de au­mentos das rendas du­rante um ano, baixas nos sec­tores da te­le­fonia e da In­ternet, cré­ditos para a cons­ti­tuição de um «Centro de Es­tudos Ope­rá­rios», di­mi­nuição dos im­postos lo­cais, entre ou­tros. Os 165 pontos que cons­tavam neste acordo de Março de 2009 não foram, no en­tanto, res­pei­tados. Nesse sen­tido, a luta pros­segue, desta vez pelo res­peito da­queles. So­frendo dos mesmo pro­blemas es­tru­tu­rais que a Gua­da­lupe, também na Mar­ti­nica a luta de classes se agu­diza. Na Guiana, apesar de, no início de 2009, um mo­vi­mento de massas ter sur­gido na es­teira da luta que se de­sen­volvia nas duas ou­tras co­ló­nias, a luta so­cial não atingiu, to­davia, a pro­fun­di­dade al­can­çada na Gua­da­lupe ou na Mar­ti­nica.

Tal facto pode en­tender-se me­lhor se aten­tarmos na es­tra­ti­fi­cação so­cial pró­pria da Guiana, ine­xis­tente em qual­quer outro dos de­par­ta­mentos ul­tra­ma­rinos fran­ceses. Com efeito, três po­pu­la­ções prin­ci­pais com­par­ti­lham o es­paço ter­ri­to­rial gui­anês – os ame­rín­dios (po­pu­la­ções au­tóc­tones), os cri­oulos e os bushi­nengue (des­cen­dentes dos es­cravos li­ber­tados) –, às quais se vi­eram juntar, mais re­cen­te­mente, a po­pu­lação bra­si­leira (re­sul­tado de uma emi­gração eco­nó­mica ori­gi­nária, so­bre­tudo, das re­giões do Ma­capá e do Pará, no Brasil), a po­pu­lação hmong (po­pu­lação asiá­tica, no caso gui­anês, de origem la­o­ciana, que se ins­talou na Guiana nos anos 1970, mercê do apoio e im­pulsão dos po­deres pú­blicos fran­ceses13) e uma cres­cente po­pu­lação chi­nesa. Todas estas po­pu­la­ções – com as suas lín­guas e cul­turas pró­prias – en­con­tram-se re­par­tidas pelo ter­ri­tório gui­anês e evo­luem cul­tural e lin­guis­ti­ca­mente de forma au­tó­noma. O sis­tema co­lo­nial con­se­guiu, deste modo, «di­vidir para reinar».

Apesar de, ob­jec­ti­va­mente, es­tarem reu­nidas as con­di­ções para o apro­fun­da­mento e agu­di­zação da luta so­cial na Guiana, a dis­persão ét­nica di­fi­culta a con­ju­gação de es­forços para uma luta comum. Tendo, to­davia, em con­si­de­ração que as con­di­ções de ex­plo­ração gui­a­nesas são idên­ticas às con­di­ções de ex­plo­ração na Gua­da­lupe ou na Mar­ti­nica, pen­samos que, em prazo mais ou menos longo, as forças pro­gres­sistas da so­ci­e­dade gui­a­nesa (in­de­pen­den­te­mente da sua origem lin­guís­tica ou ét­nica) as­su­mirão a luta por uma maior au­to­nomia ou in­de­pen­dência da me­tró­pole que as do­mina. A Guiana po­derá, então, juntar a sua às vozes cada vez mais fortes vindas das An­ti­lhas por uma me­lhoria das con­di­ções de vida e de tra­balho, por um efec­tivo de­sen­vol­vi­mento agrí­cola e in­dus­trial que tenha em conta as es­pe­ci­fi­ci­dades destes ter­ri­tó­rios, pelo fim da de­pen­dência eco­nó­mica cres­cente (da França e da União Eu­ro­peia) que as­fixia as eco­no­mias lo­cais, por uma po­lí­tica que per­mita aos povos que vivem nestes ter­ri­tó­rios serem os su­jeitos da sua pró­pria His­tória, contra o co­lo­ni­a­lismo que os oprime e cuja Na­tu­reza ex­plo­ra­dora faz jus à frase de Marx: «a hi­po­crisia pro­funda e a bar­bárie ine­rente à ci­vi­li­zação bur­guesa di­funde-se sem véus di­ante de nossos olhos, pas­sando da sua for­nalha natal, onde ela as­sume formas res­pei­tá­veis, às co­ló­nias onde as­sume as suas formas sem véus»14.

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1 V.I. LE­NINE, O Im­pe­ri­a­lismo, fase su­pe­rior do ca­pi­ta­lismo [1917], «A Par­tilha do mundo entre as grandes po­tên­cias» (cap. VI), Obras Es­co­lhidas em seis tomos, t.II, Lisboa, Avante! [ed. Pro­gresso, Mos­covo, 1984]. Dis­po­nível em http://​www.mar­xists.org/​por­tu­gues/​le­nine/​1916/​im­pe­ri­a­lismo

2 Fazem igual­mente parte das RUP as Ca­ná­rias (Es­panha), os Açores e a Ma­deira (Por­tugal).

3 Glos­sário da União Eu­ro­peia, in http://​eu­ropa.eu/​scad­plus/​glos­sary/​ou­ter­most_­re­gi­ons_pt.htm

4 Por outro lado, ou­tras co­ló­nias e ter­ri­tó­rios ul­tra­ma­rinos bri­tâ­nicos, fran­ceses, ho­lan­deses e di­na­mar­queses formam os países e ter­ri­tó­rios ul­tra­ma­rinos (PTOM). Ao con­trário das RUP, os PTOM são apenas mem­bros as­so­ci­ados da União Eu­ro­peia, não fa­zendo parte do Es­paço Schengen (de­pendem, con­tudo, de países que da­queles fazem parte). Apesar de não serem mem­bros de pleno di­reito da União Eu­ro­peia, como as RUP, as PTOM, pela sua lo­ca­li­zação ge­o­grá­fica e di­la­tação pla­ne­tária, re­pre­sentam quer um in­te­resse geo-es­tra­té­gico quer um in­te­resse mi­litar. A sua per­ma­nência no seio da União Eu­ro­peia (e por­tanto a con­ti­nu­ação da sua do­mi­nação co­lo­nial pelas grandes po­tên­cias) re­vela-se, assim, cru­cial.

5 A taxa de de­sem­prego nestes ter­ri­tó­rios foi su­pe­rior àquela que se ve­ri­ficou nos en­claves es­pa­nhóis de Ceuta (20.3%) e de Ma­lilla (18.2%).

6 Con­sultar « Com­pa­raison des prix entre les DOM et la me­tro­pole en 2010 », INSEE Pre­miere n°1304 – Juillet 2010.

7 Re­cen­se­a­mento de 2006.

8 Re­cen­se­a­mento de 2007.

9 Em França, o li­mite da po­breza tem como re­fe­rência um ren­di­mento mensal in­fe­rior a 948 euros.

10 Dados de 2009.

11Im­por­tação de pro­dutos de­ri­vados do pe­tróleo e de pro­dutos quí­micos.

12 Na Reu­nião os preços são, em média, 6.2% su­pe­ri­ores aos preços me­tro­po­li­tanos.

13 Du­rante as duas guerras da In­do­china, as po­pu­la­ções hmong apoi­aram mi­li­tar­mente, pri­meiro, o co­lono francês e, de­pois, o co­lono ame­ri­cano.

14 K. Marx, «Os Re­sul­tados even­tuais da do­mi­nação bri­tâ­nica na ĺndia» [1853]. Con­sul­tado em: http://​www.mar­xists.org/​por­tu­gues/​marx/​1853/​07/​22.htm



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