Uma obra notável que é compromisso de luta
O Teatro Municipal de São Luiz, em Lisboa, recebeu, no dia 10, a sessão pública de lançamento do Tomo III das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal. E foi nesse magnífico espaço que o Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e o director das Edições Avante!, Francisco Melo, abordaram aspectos centrais da obra teórica de Álvaro Cunhal, alguns dos quais, para além da sua importância histórica, mantêm flagrante actualidade.
«Estamos aqui – não por acaso no dia em que passa mais um aniversário do nascimento do camarada Álvaro Cunhal – procedendo ao lançamento do III Tomo das suas Obras Escolhidas. Com este acto, prestamos uma homenagem e assumimos um compromisso. Prestamos homenagem ao militante comunista cuja vida e obra constituíram o mais significativo e expressivo de todos os contributos individuais para a construção do PCP e para a sua afirmação, ao longo dos tempos, como partido comunista, marxista-leninista; partido da classe operária e de todos os trabalhadores; partido da resistência e da unidade antifascistas; partido da revolução e da democracia de Abril; partido da resistência à contra-revolução – partido que foi e é tudo isso, sempre tendo presente, como referência maior, o objectivo da construção em Portugal de uma sociedade liberta de todas as formas de opressão e de exploração: a sociedade socialista e comunista.
Assumimos o compromisso de, inspirados nessa vida e nessa obra, e tendo como referência esse exemplo de dedicação e entrega totais ao Partido e à luta, dedicarmos toda a nossa capacidade, toda a nossa inteligência, todo o nosso empenhamento, todos os nossos esforços no sentido de tornar o PCP um partido cada dia mais forte e em melhores condições para, honrando a sua identidade comunista e a sua história, cumprir o papel que lhe compete, sejam quais forem as condições e circunstâncias em que tenha que actuar.
Unidade entre teoria e prática
Mostram os factos que o valioso e singular contributo prático de Álvaro Cunhal, em todo o processo de construção e desenvolvimento do PCP, foi sempre acompanhado por uma também singular produção teórica – produção teórica nascida dessa prática e, simultaneamente, fortalecendo-a e conferindo-lhe consistência ideológica e política, portanto uma e outra ligadas indissociavelmente entre si e com uma particularidade assinalável: a de serem construídas sempre na base da integração plena de Álvaro Cunhal no trabalho colectivo, que ele considerava ser uma raiz de força determinante do Partido.
Na verdade, a unidade entre a teoria e prática e a sua inserção no trabalho colectivo constitui uma marca indelével na actividade de Álvaro Cunhal. Acresce que a adesão de Álvaro Cunhal ao comunismo, ao ideal comunista, foi, para além da adesão a um ideal libertador e transformador, uma opção de vida que viria a concretizar-se com a sua entrega total ao seu Partido, ao nosso Partido: o Partido Comunista Português.
É tudo isso que explica o papel marcante, profundamente impressivo, desempenhado pelo camarada Álvaro Cunhal durante 75 anos de uma militância revolucionária exemplar: desde o início da década de 30 – quando o processo de fascização do Estado avançava de forma imparável e o anticomunismo assumia as suas expressões mais brutais – até aos primeiros anos deste século XXI – em que a política de direita, enquanto instrumento da contra-revolução, prossegue a sua acção destruidora de aspectos essenciais e estruturantes da democracia de Abril.
Por tudo isso, esse todo que é a vida, a militância e a obra teórica e política de Álvaro Cunhal constitui para nós, militantes comunistas, uma fonte de ensinamentos inestimável e que, para além de uma lição e um exemplo de dignidade e coerência, de coragem e disponibilidade revolucionária, é uma fonte de aquisição de consciência política, ideológica, partidária, de classe.
Daí a importância da publicação destas Obras Escolhidas que as Edições Avante! estão a levar a cabo e de que nos apresentam, agora, o Tomo III. Daí a importância da leitura e do estudo da obra de Álvaro Cunhal, da reflexão individual e colectiva em torno de cada um e do conjunto de trabalhos que, sendo expressão de profundas análises concretas às situações concretas do Partido, do País e do mundo, proporcionam ensinamentos imprescindíveis à nossa actividade militante.
Uma forma de reforçar o Partido
Na verdade, o estudo da obra de Álvaro Cunhal é uma vertente estruturante fundamental da formação política, ideológica, partidária, dos militantes comunistas – de todos os militantes comunistas, desde os que há mais tempo aderiram ao Partido, até aos recém-chegados, àqueles que todos os dias vão engrossando as fileiras do nosso colectivo partidário. Para todos, o conhecimento da história e da vida do Partido constitui um elemento fundamental para a compreensão do que ele é hoje e do que ele deverá ser no futuro e do papel que lhe cabe enquanto partido comunista.
O reforço do Partido tem sido – e é, e continuará a ser – preocupação constante do nosso colectivo partidário. Mais ainda em situações como a que actualmente vivemos, em que o actual governo leva por diante aquela que é, porventura, a mais grave de todas as ofensivas do pós 25 de Abril contra os interesses dos trabalhadores, do povo e do País, a par de uma poderosa e amplamente difundida ofensiva ideológica anticomunista.
Avante! Por um PCP mais forte!, dizemos nós; Avante! Por um PCP mais forte!, afirma com determinação, confiança e convicção o nosso grande colectivo partidário, erguendo a pulso um vasto conjunto de iniciativas com as quais concretiza, colectivamente e de forma integrada, o conjunto de direcções de trabalho e medidas colectivamente definidas visando o fortalecimento do Partido. Medidas em que avultam: o reforço da ligação às massas, a partir, em primeiro lugar, do indispensável e decisivo reforço da presença organizada e activa do Partido nas empresas e locais de trabalho – estendendo esse reforço aos locais de residência; o reforço do número de militantes e a sua integração nas organizações partidárias; o reforço da militância e da formação ideológica dos quadros e dos militantes – enfim, o reforço orgânico, interventivo e ideológico do Partido, afirmando-o com a sua identidade comunista e preparando-o para os desafios e as batalhas que a situação impõe.
Para alcançar estes objectivos, a leitura, o estudo, a reflexão individual e colectiva da obra de Álvaro Cunhal são de fundamental importância – e destas Obras Escolhidas podemos dizer que são parte integrante da acção em curso visando o reforço do Partido.
Lições e ensinamentos
No primeiro Tomo, tivemos oportunidade de tomar contacto com os primeiros escritos de Álvaro Cunhal e com um conjunto de trabalhos cuja leitura e estudo são indispensáveis a quem queira conhecer a realidade portuguesa entre 1935 e 1947 e, de forma muito particular, toda a caminhada que foi a construção do Partido no decorrer da reorganização de 40-41 e dos III e IV Congressos, momentos maiores da edificação do Partido com a sua identidade comunista e do processo que, a partir da consideração do trabalho colectivo como princípio básico, iniciou a construção do conceito de colectivo partidário. Isto sem esquecer outros textos de incontestável relevância, como são, por exemplo, os escritos sobre a Arte, a criação literária, a pintura, o desenho, temáticas que, aliás, integrariam a reflexão do autor durante toda a vida.
O segundo Tomo inclui textos produzidos de 1947 a 1964 e que podem dividir-se em três fases distintas. A primeira relacionada com o papel determinante desempenhado por Álvaro Cunhal no reatamento da ligação do nosso Partido ao movimento comunista internacional, designadamente ao PCUS, que havia sido interrompida em 1938.
A segunda, respeitante aos anos de prisão na Cadeia Penitenciária de Lisboa e no Forte de Peniche – que nos deixa alguns dos mais impressionantes textos sobre os comunistas e a prisão, sobre o comportamento dos militantes do partido face à polícia fascista, textos em que o camarada Álvaro Cunhal teoriza o que ele próprio já aplicou ou virá a aplicar na prática.
A terceira, vai da fuga de Peniche ao combate travado na crítica e correcção do desvio de direita e no retomar da via do levantamento nacional para o derrubamento do fascismo – combate do qual Álvaro Cunhal é um protagonista principal, já que é a partir de textos por ele elaborados que se processa o amplo debate partidário então realizado.
Este Tomo III agora publicado proporciona-nos o contacto com textos produzidos na década de 60, e dos quais, como já referiu o camarada Francisco Melo, que coordenou e prefaciou o volume, emerge o Rumo à Vitória, obra que é um marco do pensamento político marxista-leninista no nosso País.
Confiança no nosso ideal e projecto
Neste tempo que vivemos, em que o domínio do grande capital lhe permite definir políticas e escolher os seus executantes, elevando brutalmente a exploração e a opressão; em que a desinformação organizada manipula conhecimentos e consciências; em que a ofensiva ideológica à solta instala hesitações, conformismos, medos – e em que, por isso mesmo, à intervenção dos comunistas e à luta dos trabalhadores são colocados novos e maiores obstáculos - a leitura e o estudo da obra de Álvaro Cunhal constitui uma necessidade imperiosa para os militantes comunistas.
Um dos ensinamentos que o camarada Álvaro Cunhal nos legou é o de que, sejam quais forem as circunstâncias existentes em cada momento, a luta é sempre necessária – e vale sempre a pena.
Luta de massas, luta ideológica, luta política que com clareza e determinação é no actual momento assumida com a nossa candidatura presidencial assumida pelo camarada Francisco Lopes que, de forma singular se afirma como o candidato dos trabalhadores, identificado com os seus direitos, com as suas aspirações e a sua luta. E é nessa perspectiva que olhamos para a situação actual e para o papel crucial da luta como resposta à política de direita e à ofensiva do capitalismo que pela sua dimensão e profundidade constitui uma autêntica declaração de guerra aos trabalhadores e aos seus direitos. Direitos que integram avanços e conquistas democráticas e civilizacionais hoje postas em causa. Então, cada luta é uma batalha das muitas batalhas que é preciso travar neste agudo confronto de classes.
Quando os ideólogos, defensores e seguidores do capitalismo apelam à resignação das massas trabalhadoras em nome das inevitabilidades e do não vale a pena, mais do que resignação o que estão a pensar e a exigir é a rendição sem condições.
Valorizando cada uma e todas as lutas, incluindo (como afirmava Álvaro Cunhal) as lutas mais modestas com objectivos concretos, consideramos que a decisão da CGTP-IN de convocar os trabalhadores para realizar uma Greve Geral no dia 24 de Novembro, com a consciência da relação de forças existente constitui um acto de audácia que há-de ser transformado em decisão corajosa e insubmissa de centenas de milhares de trabalhadores que a vão realizar. E como Álvaro Cunhal reflecte e expressa na sua obra, sendo a luta o alicerce do processo de transformação social, temos sempre de ver mais além da conjuntura, animados e confiantes no nosso ideal e projecto para encetar e edificar a verdadeira alternativa ao capitalismo – o socialismo.»
Francisco Melo, director das Edições Avante!
Leitura obrigatória
Antes de Jerónimo de Sousa interveio o Francisco Melo que, para além de ser director das Edições Avante!, é o coordenador destas Obras Escolhidas e o autor do prefácio desta edição. Realçando o elevado interesse das obras que integram o Tomo III, o editor chamou uma atenção especial para o Rumo à Vitória (as restantes são o Relatório da Actividade do Comité Central ao VI Congresso e Contribuição para o Estudo da Questão Agrária).
Considerando esta obra como de «leitura obrigatória para todos quantos queiram compreender não apenas os objectivos, as formas de luta, a estruturação orgânica, a via que o PCP indicava para a revolução portuguesa, mas o próprio processo histórico da Revolução de Abril», Francisco Melo acrescentou: esse texto é exemplo da «fecundidade do marxismo-leninismo como método de análise cientificamente fundado». Nele Álvaro Cunhal pôde apreender a realidade objectiva «no seu devir contraditório específico, definir objectivos, discernir perspectivas de acção, apontar formas e orientações de luta apropriadas à situação concreta, e combater ideias e concepções erróneas, desviantes de uma prática verdadeiramente revolucionária».
Analisando a natureza da ditadura e as características do capitalismo português, Álvaro Cunhal desmentiu a «demagógica lamúria fascista sobre “a natural pobreza do País”», mostrando que o atraso e a pobreza se deviam à exploração pelos monopólios, pelos latifundiários e pelo imperialismo estrangeiro das riquezas nacionais, assinalou Francisco Melo. Para logo adiantar que as classes trabalhadores e as camadas médias «tinham ainda que suportar o fardo tributário que sustentava a máquina militar e burocrática do Estado fascista, o que contudo não impedia o recurso crescente a empréstimos» – a dívida pública tornava-se (como hoje, aliás) «um permanente sorvedoiro de recursos».
Outra conclusão a que Álvaro Cunhal chegou foi a de os «monopólios terem resultado não da livre concorrência capitalista, com a consequente centralização e concentração de capitais, mas da utilização do poder coercivo do Estado para, ao serviço das forças reaccionárias do grande capital e dos grandes agrários, esmagar a pequena e média burguesias e reprimir o movimento operário». Foi essa a «missão histórica» da ditadura...
Por tudo isto, lembrou Francisco Melo, conclui Álvaro Cunhal que «só a libertação do poder dos monopólios poderá permitir o aproveitamento das riquezas nacionais, o amplo desenvolvimento da economia, a criação de uma base industrial que assegure a independência do País, a eliminação da principal base social da reacção e do fascismo».
O autor do prefácio realçou ainda as análises de Álvaro Cunhal sobre os outros pilares do fascismo – os grandes proprietários fundiários e o imperialismo – e sublinhou a actualidade das suas reflexões acerca dos riscos de uma (então) «eventual adesão ao Mercado Comum». Após destacar muitos outros aspectos desta obra fundamental de Álvaro Cunhal, Francisco Melo citou uma das suas conclusões centrais: «A grande tarefa que se coloca ante o Partido é a união das largas massas populares, de todos os democratas e patriotas, para o derrubamento da ditadura fascista e a realização da revolução democrática e nacional», que só poderá ser levada até ao fim pelo «proletariado, dirigido pelo seu Partido» – o Partido Comunista Português!