Privatizar será destruir direitos e empregos
No «Programa de Estabilidade e de Crescimento» consta um pacote de privatizações cujas consequências serão mais desemprego e instabilidade laboral, menores salários e pensões, e uma ainda maior destruição do aparelho produtivo com o único propósito de dar lucros a grupos económicos que continuam incólumes a qualquer «sacrifício».
Só os grandes grupos económicos beneficiam das privatizações
Enquanto, na Assembleia da República, se debatia o «estado da nação», no dia 15 de Julho, uma tribuna pública da central, na Rua do Carmo, em Lisboa, foi rica em intervenções subordinadas aos diversos sectores onde o PEC se propõe provocar ainda mais estragos. Ali se recordou o estado em que se encontra o País, desde que governos do PS, e depois do PSD, com ou sem o CDS-PP, iniciaram um processo de privatizações de sectores estratégicos da economia.
Assim que souberam da intenção, acordada no PEC, entre o Governo PS e o PSD, de privatizar 19 empresas, para obter uma receita de seis mil milhões de euros, nos próximos quatro anos, os trabalhadores, organizados na central sindical de classe, CGTP-IN, têm-se desdobrado em acções de esclarecimento e de denúncia, no sentido de travar o passo a estas intenções.
O membro da Comissão Executiva do Conselho Nacional da central, Arménio Carlos, salientou que este problema diz respeito «a todos os trabalhadores e populações, devendo, por isso, ser discutido no sentido de encontrarmos soluções» alternativas ao PEC, que salvaguardem os direitos laborais, os postos de trabalho, a economia e o sector produtivo.
O dirigente sindical recordou o programa do 12.º Governo Constitucional, do PS (1995-1999), onde podia ler-se que as primeiras privatizações tinham o propósito de afastar o Estado de empresas onde «já não se exige a sua presença, para dedicar mais recursos à saúde, à educação e à segurança social, sectores onde a sua acção é decisiva para garantir o bem-estar colectivo». O mesmo programa defendia que «as receitas das privatizações reduzem a dívida pública e os respectivos juros», criando a possibilidade de não se aumentar os impostos. Numa terceira alínea, referia, ainda, que os contribuintes, os jovens, os beneficiários da segurança social, os consumidores e os trabalhadores seriam os grandes beneficiados com as privatizações.
Como reparou Arménio Carlos, «nem uma palavra está escrita sobre os que beneficiaram com estas privatizações, os grandes grupos económicos e financeiros». O PS agravou a uma campanha ideológica, iniciada pela direita, contra o sector empresarial do Estado e a Administração Pública, que continua a desenvolver-se pela mão de todos os governos, «com o propósito comum de daí resultar menos Estado social, e mais Estado para o grande capital», salientou.
Demagogia desmascarada
Ao contrário das intenções, então anunciadas, em resultado das privatizações, a dívida externa do País, que em 1990 significava 57,8 por cento do Produto Interno Bruto, é agora equivalente a 76,8 por cento do PIB, e
o défice público que, em 1990, era de 4,5 por cento, situa-se, actualmente, nos 9,4 por cento.
Afinal, as privatizações não tiveram qualquer intenção de dar mais solidez à economia nacional, mas antes o propósito, nunca confessado por quem as empreendeu, de «vender ao desbarato e colocar nos grupos económicos nacionais e internacionais um conjunto de empresas e sectores estratégicos, acima de tudo para aumentar os lucros dos accionistas», acusou Arménio Carlos.
Os governos da política de direita sempre justificaram as privatizações alegando que os “encaixes” resultariam numa diminuição da dependência de Portugal relativamente ao estrangeiro. «Hoje estamos mais dependentes do estrangeiro», situação que «confirma a justeza da posição da CGTP-IN, nestes processos, ao considerar que a alternativa terá de passar, inevitavelmente, pelo reforço do Estado nos sectores estratégicos e dos meios necessários à melhoria das suas funções sociais a que está obrigado».
Outra ideia levantada pelo PS, era a de que das verbas obtidas com as vendas das empresas públicas resultaria num reforço das verbas destinadas às funções sociais do Estado, posição que não resiste ao mínimo confronto com a realidade actual, em que se registam baixas acentuadas de investimento público nestas obrigações, inscritas, inclusivamente e por muito que doa ao PS e às «direitas», na Constituição da República.
Quanto à ideia de que as privatizações criariam mais emprego e reduziriam as assimetrias regionais, ela «cai por terra», uma vez que «o desemprego aumentou de forma assustadora, degradou-se a sua qualidade e acentuam-se progressivamente as desigualdades».
Quanto a reforço da saúde, da educação e da segurança social através das verbas obtidas com as alienações de bens públicos, a realidade demonstra exactamente o contrário, como sempre avisou a CGTP-IN e, no plano partidário, o PCP, como foi lembrado nalgumas intervenções.
O Serviço Nacional de Saúde tem sofrido um sistemático ataque, reflectido no encerramento de um conjunto de serviços essenciais, com expressão mais significativa no interior do País, limitando ainda mais o acesso a uma assistência digna e eficaz.
Na educação, prossegue um cego encerramento de escolas, com propósitos exclusivamente economicistas que provocam um ainda maior isolamento do interior, e mais desemprego, «convidando as populações dessas regiões a deslocarem-se, ainda mais para o litoral», lembrou Arménio Carlos.
Sobre a segurança social, «no anterior Governo PS foi desenvolvido um enorme ataque às suas valências e aos trabalhadores da Administração Pública». O valor das aposentações foi reduzido e foi alargado o limite para a idade de reforma, com fortes agravamentos para quem pretenda antecipá-la. Com o desemprego a aumentar, «foi este Governo que alterou as regras de atribuição do subsídio de desemprego, baixou a qualidade do emprego entretanto criado, e diminuiu salários e pensões, com graves repercussões nas receitas para a protecção social e nas condições de vida de quem trabalha».
tentes prejudicados
Contra a privatização final da EDP e da REN, o dirigente do Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas, e do grupo de trabalho da Fiequimetal/CGTP-IN, João Ferreira, lembrou o encarecimento da electricidade desde que, em 1994, a EDP iniciou este processo, e a destruição de dez mil empregos, de vínculos efectivos de trabalho e o encarecimento dos custos de produção, em consequência do recurso a empresas externas, prestadoras de serviços onde prima a precariedade. Salientando a obra ímpar desenvolvida pela EDP, desde a sua nacionalização, e os lucros de milhões de euros obtidos entre 2005 e 2009, João Ferreira salientou que esses resultados só serviram para «principescas remunerações de administradores e chefias», contrastantes «com as migalhas que reservam aos trabalhadores». Também alertou para o «enorme depauperamento do erário público» que decorreria desta privatização.
A Comissão de Trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos revelou que tem aumentado a precariedade e o trabalho suplementar não pago no banco estatal. Manuel Campino acusou a Autoridade para as Condições do Trabalho de complacência face à denuncia de situações graves, e repudiou a intenção, no PEC, de privatização da Caixa Seguros, ramo que gera enormes dividendos ao Estado. A alienação seria «um ataque ao Grupo CGD e aos seus trabalhadores», acusou, salientando que «a CT reivindica a manutenção de todas as empresas no grupo do Estado».
Os enfermeiros estão a ser particularmente afectados com toda uma política que visa a privatização de serviços públicos de saúde essenciais. Pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, Isabel Barbosa lembrou que, actualmente, «o Estado já entrega 60 por cento do orçamento anual, para a saúde, ao sector privado». Estas verbas revertem para os grupos privados no sector, onde se destaca o Grupo Mello, em vez de contribuírem para a melhoria dos serviços e das condições de trabalho, que estão em estado de progressiva e acelerada degradação. Com as «parcerias público-privadas» e as gestões privadas nos hospitais, vulgo EPE, o Estado tem feito «maus negócios», agravados com a criação de agrupamentos onde se sente cada vez mais a falta de médicos, enfermeiros e de auxiliares.
Piores serviços
Em nome da Coordenadora das Comissões de Trabalhadores do distrito de Lisboa, Ernesto Ferreira lembrou a alienação da Rodoviária Nacional, para salientar que, ao contrário do argumento que serviu, então, para justificar a privatização, de que com o surgimento da concorrência, o tarifário diminuiria e haveria melhoria de serviços, hoje constata-se exactamente o contrário.
Sobre a Carris, Manuel Leal, do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal referiu a terceira fase de «reestruturação» da empresa que mais não tem sido senão «uma maior supressão de autocarros e um crescente encurtamento de carreiras». A degradação das condições de trabalho, como noutras empresas deste sector, tem provocado forte contestação dos trabalhadores que, com grande coragem e sob ameaças de processos disciplinares, têm lutado contra estas situações.
Na Imprensa Nacional Casa da Moeda, onde «o sector gráfico é, há muito, cobiçado pelos privados», foram suprimidos 500 postos de trabalho, desde 1990, salientou Altamiro Dias, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Celulose, Papel e Gráfica.
Na Câmara Municipal de Lisboa, a alienação de serviços tem decorrido com a «Lei de reorganização dos serviços autárquicos», que tem provocado «o esvaziamento de trabalhadores qualificados em serviços essenciais», recordou Nuno Almeida, do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa. Com a entrada de um funcionário público por cada três ou mais trabalhadores que se reformem, torna evidente a degradação dos serviços e das condições de trabalho, afirmou, recordando as sucessivas tentativas de privatização do sector de limpeza urbana e a resistência dos trabalhadores que a tem evitado, e que obteve, através de uma dura luta, um há muito reclamado subsídio de risco, naquele sector. Nem os cemitérios escapam às tentativas de privatização, salientou.
O dirigente do Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, Rogério Caeiro, recordou todo o processo de destruição da INDEP, a par de um vasto conjunto de empresas de manutenção e de equipamentos militares, bem como de milhares de empregos a elas ligados.
A actual «intenção de destruir o Arsenal do Alfeite» mereceu igual repúdio do interveniente que salientou a inevitabilidade da luta dos trabalhadores afectados, agora pelo direito o trabalho.
A coordenadora da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, Ana Avoila garantiu na tribuna pública que, como a CGTP-IN, a Frente Comum dará combate ao actual «ataque, em toda a linha e sem precedentes, aos trabalhadores do Estado, através das privatizações».«Só a luta dos trabalhadores, com as populações poderá impedir esta destruição de serviços essenciais», concluiu.
Negócios vergonhosos
Como exemplo das graves consequências decorrentes das privatizações, Arménio Carlos recordou, apenas como um de muitos exemplos, o «péssimo negócio» que foi a alienação da Rodoviária Nacional. Lembrou que a oferta de transporte rodoviário colectivo de passageiros, principalmente para as populações mais isoladas, garantia muitas carreiras e horários que foram suprimidos com a privatização - serviços que, embora não fossem lucrativos, garantiam as essas populações, o direito humano à mobilidade.
Pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, Vítor Jesus recordou as nefastas consequências das privatizações da água, da recolha e tratamento de lixo e dos serviços municipais de saneamento básico, salientando os enormes prejuízos para o País provocados pelas «parcerias público-privadas», com recurso a empresas em regime de outsourcing e a trabalhadores de empresas de trabalho temporário, com menor ou nenhuma formação, muito mais baixos salários e menos direitos.
Contra a privatização dos CTT, o dirigente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações, Vítor Narciso, lembrou que esta empresa pública obteve 270,3 milhões de euros de lucros, entre 2006 e 2009, mas isso não impediu o encerramento de 159 estações de correio e o fecho de 597 postos. Maior teria sido o prejuízo se não fosse a luta determinada dos trabalhadores que, unidos em acções concretas, com as populações utentes, impediram o plano inicial que previa encerrar, num só ano, mais de 500 estações de Correio. A luta contra a destruição do Acordo de Empresa, através de uma manobra que contou com o apoio do sindicato da UGT, também tem sido derrotada, mas continua a ameaçar a estabilidade no emprego e os vínculos permanentes, com a administração a tentar impor cargas horárias de trabalho absurdas e cortes salariais, aos carteiros, na ordem dos 200 euros.
Prossegue, entretanto, a recolha de assinaturas para uma petição que será entregue, aos órgãos de soberania, no Dia Mundial dos Correios, 9 de Outubro.