O clube popular e o Estado
Ao constituir um local em que se podem exprimir e dar satisfação a um certo número de aspirações e de necessidades de ordem individual e colectiva, tornando possível o exercício da responsabilização e do comprometimento social, enriquecendo a vida comunitária e a expressão da solidariedade, o clube popular constitui um factor insubstituível de inovação social. É por tudo isto que o associativismo está, quando correctamente concebido, ao serviço do interesse geral, em paralelo com a estrutura pública, mas sem se confundir com ela.
De facto, cada vez se torna mais claro que, se o Estado, nas suas componentes central, regional e local, deve continuar a assumir o papel de garante do interesse público, não possui, no entanto, o monopólio da realização das tarefas de interesse geral. A Constituição da República é, quanto a isto, de meridiana clareza, ao definir o acesso à prática desportiva como um direito que o Estado deve tornar viável mas com o apoio das escolas e dos clubes (artigo 79.º). Esta relação coloca problemas específicos que devem ser tomados em devida conta. Os princípios comuns a todo o associativismo são a livre adesão, a gestão democrática, a recusa em procurar lucro individual submetido à lógica do máximo proveito, a independência em relação ao Estado. Ora, na sequência natural do que acima se afirmou, esta última característica assume um interesse especial.
O associativismo, por mais voltas que lhe dêem, não pode situar-se no exterior do campo delimitado pelos termos «serviço», «promoção», «criatividade», «solidariedade», «convivialidade», «cidadania», «integração social», «desenvolvimento humanizado». Ora, ao actuar, ele só se pode colocar no campo do interesse público. Mas, ao substituir a acção do Estado, tal como a Lei Fundamental o define, o associativismo não deve, nunca, perder a sua independência, pois ela constitui condição necessária para respeitar aqueles princípios e situar-se no terreno da construção da «nova cidade humanizada».
Tudo somado é possível verificar que o Movimento Associativo constitui um local essencial para a expressão da vida cívica e da democracia, desde que mantenha a dupla independência quanto aos poderes políticos e económicos. O risco que as associações correm neste momento, e com particular acuidade referido às associações desportivas populares, é o de estas se transformarem em exclusivas organizações de «prestação de serviços» constituindo produtos de puro consumo, de uma forma que se pode considerar como substitutiva dos poderes públicos por estes negarem, pura e simplesmente, as suas obrigações.
A «transferência» de funções faz-se, nesta situação, eliminando um dos aspectos centrais da vida da associação, ou seja, a participação responsável do sócio. Por outro lado, a sua transformação em «correias de transmissão» dos poderes central e/ou local, ou tornando-se novos criadores de empregos inestruturados, não pode legitimar o papel do associativismo na sociedade contemporânea. A defesa do associativismo (princípios, funções e papel social) tem um significado que coloca a questão numa base totalmente diferente: de facto, restaurar os valores associativos significa exprimir, de forma objectiva, a nossa preocupação com o Homem, acreditando na possibilidade futura do seu desenvolvimento como cidadão e como ser humano.
Como afirmou Tocqueville (in A Democracia na América), «entre as leis que regem as sociedades humanas, há uma que surge como mais precisa e mais clara do que as outras. Se os homens vivem o apelo em serem civilizados, ou em tornarem-se civilizados, a arte de se associar deve crescer e progredir na mesma proporção em que cresce a igualdade de condições». Desta forma, e pensamos que só através dela, é possível estabelecer uma relação reequilibradora entre a igualdade, o poder e a associação.
Perante o gigantismo crescente das organizações, a despersonalização das relações com o Estado e as novas características da organização do trabalho, os clubes populares surgem como forma decisiva de restaurar a identidade personalizada, elemento essencial da humanização e criatividade. Deste modo, ele surge como um elemento mediador, capaz de fornecer elementos para que o indivíduo se veja reconhecido como «pessoa» e de reconstrução da chamada sociedade civil. O clube estrutura-se, assim, como um corpo intermédio, estruturado entre o Estado e o indivíduo, capaz de estimular o poder de iniciativa e de criatividade, sem pôr em causa (e é importante sublinhar este aspecto) a função essencial dos poderes públicos, mas também sem poder ser substituído pela empresa privada que, como é natural, deve desempenhar o seu papel, mas que situa noutra esfera da dinâmica social.