À «rasca» e a «recibos verdes»

Paulo Raimundo (Membro da Comissão Política do PCP)
Há dias, a SIC noticiou o lançamento do primeiro estudo sobre a juventude portuguesa. Não tendo tido ainda a oportunidade de ler o documento, alguns aspectos referidos na notícia suscitam desde já alguns apontamentos.

Os jovens rotulados de «rascas» são os mesmos agora apelidados de «geração do recibo verde»

Segundo a SIC, este estudo aponta a evolução da juventude nos últimos 15 anos, os seus problemas, dificuldades, a situação com que se depara nos nossos dias. Entre outras, o estudo tira ainda a conclusão de que hoje os jovens são jovens até mais tarde, saem de casa dos pais com uma idade mais avançada, têm como grandes barreiras o desemprego e falta de segurança e de direitos no emprego, a precariedade. De tal maneira que, segundo o jornalista, há já quem chame a esta geração «a geração recibo verde».
Curiosamente, no mesmo dia em que noticia o estudo, a mesma SIC, numa rubrica de uma das suas estações por cabo, recorda o ano de 1992. Em plena governação Cavaquista, Couto dos Santos, ministro da Educação na altura, aplicando as receitas do seu governo de destruição do bem público, avança com a lei das propinas.
16 anos depois, tem interesse relembrar este período, pois vêm-nos à memória várias frases e «batidas».
Eis duas das frases, que fizeram e fazem parte do dialecto de todos os governantes da área da educação: «o dinheiro das propinas será para a qualidade de ensino» e «… será possível reforçar a acção social escolar...». São frases velhas, mas que curiosamente os nossos «modernos» governantes continuam a proferir, de Manuela Ferreira Leite a Marçal Grilo ou Pedro Lince, todos em sintonia. Aliás, o facto de pertencerem a partidos diferentes não criou, nem cria quaisquer dificuldades: os homens passam, trocam-se, mudam-se, mas os partidos não são beliscados; depois, a «malta» esquece e as políticas ficam iguais. No caso concreto ficam as propinas.

Mudam-se os homens...

È interessante ouvir hoje Couto dos Santos, já não como ministro da educação mas como dirigente da Associação Empresarial de Portugal. Afirma ele à reportagem da SIC: «... Gostava de os enfrentar... (os estudantes)», «...a juventude tem que ser agitada, juventude rebelde é o que faz falta...» ou «…os estudantes hoje são menos unidos…». Disse-o recordando os tempos «áureos» da sua passagem pela pasta da Educação, e até demonstrando algum fair-play, na medida em que parece não guardar rancor à luta dos estudantes que provocou a sua demissão e a sua substituição por Manuela Ferreira Leite. Ora aí está: mudam-se os homens, os que saem levam com as culpas, os que entram mantêm a política.
Couto dos Santos, dirigente da AEP, valoriza assim características que são próprias da juventude e que, pelos vistos, hoje já lhe agradam. Porém, na altura em que assumiu responsabilidades no governo, a agitação, a rebeldia eram abafadas. Não através do confronto político mas sim pelas batidas das cargas policiais, prática aliás recorrente na era Cavaquista para travar as irreverências juvenis, juniores e seniores.
Para a história ficará o curto mandato de Couto dos Santos, que firmou a lei das propinas (talvez o seu único objectivo), mas também a justeza da luta estudantil do ensino superior, 16 anos depois infelizmente comprovada. É que, hoje, as universidades têm menos dinheiro fruto dos cortes orçamentais, a qualidade do ensino não melhorou, a acção social é alvo de cortes brutais, as escolas têm menos condições, o valor das propinas está no seu máximo.

...as políticas mantêm-se

Lembremo-nos, ainda, que foi também nessa altura, e no seguimento das grandiosas jornadas de luta dos estudantes do secundário contra as provas globais, que surgiu um famoso editorial intitulado de «Geração Rasca».
Curiosamente, aqueles jovens rotulados de «rascas» são os mesmos que o tal primeiro estudo sobre a juventude portuguesa apelida agora de «geração do recibo verde». A geração confrontada com a precariedade, o desemprego, a falta de condições para autonomizar as suas vidas.
Acontece que, tal como em 1992, a política agora seguida pelo governo do PS aponta caminhos não menos perigosos. Caminhos que, a não serem travados, levarão a SIC, num «segundo estudo sobre a juventude portuguesa», a apelidar os que hoje chama de «geração recibo verde» de «geração completamente à rasca, sem recibo, sem direitos, sem nada».
De facto, as receitas de Sócrates, de ataque à segurança social, ao subsídio de desemprego, à escola pública, ao apoio ao arrendamento, assim como o processo de Bolonha e as cento e muitas novas medidas, anunciadas ou por anunciar, irão necessariamente agravar as condições de vida das gerações actuais e vindouras. Lembram-se apenas a suas proposta de aumento de precariedade, com as alterações ao regime de trabalho temporário, a flexiengurança, palavra dinamarquesa que em português quer dizer «lei selvagem e liberal dos despedimentos e da desregulamentação total das relações laborais».
Neste quadro de ataque profundo a todos que trabalham, e em particular à juventude, é preciso valorizar a luta juvenil desenvolvida em muitos casos com grandes dificuldades nas escolas, universidades, empresas e bairros. Luta que a JCP e os comunistas em geral dinamizam, certos de que ela é decisiva para a construção do futuro a que têm direito.


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