Por uma Justiça
célere
PCP
propõe Julgados de Paz
Contribuir para uma justiça mais célere, através de
uma medida de fundo (e não meramente pontual) na orgânica do
sistema judiciário, tal é o sentido de dois projectos de lei do
PCP que consagram a criação da figura dos «julgados de paz».
Com estes diplomas,
apresentados publicamente em conferência de imprensa na passada
semana, a bancada comunista quer operar mudanças visando
responder à acumulação e morosidade de processos na Justiça,
reconhecido como um dos factores do seu estrangulamento, de que
tem resultado a escandalosa prescrição de milhares de processos
criminais.
Com a criação dos juizes de paz - magistrados não togados mas
licenciados em direito o Grupo Parlamentar do PCP
materializa um dispositivo legal consagrado na última revisão
constitucional, embora nunca concretizado.
Não aos paliativos
Num contexto em que
a máquina judiciária «está prestes a atingir a situação de
ruptura», a criação e instalação dos julgados de paz
afigura-se assim como uma medida de fundo capaz de contribuir
para superar «a transitoriedade das medidas» aprovadas pelo
Governo.
Através de um processo desburocratizado, com as formalidades
essenciais para garantir o acesso ao direito, como explicou Odete
Santos, os julgados da paz dão um assinalável
contributo para a «transparência da Justiça, tão denegrida
pela incompreensível (para o cidadãos comum) morosidade da
Justiça».
Com um dos diplomas, segundo Odete Santos, que estava acompanhada
por António Filipe e pelo membro do Comité Central do PCP José
Neto, o PCP pretende alterar a lei aprovada no ano passado sobre
organização e funcionamento dos tribunais judiciais, tendo em
vista consagrar na divisão judiciária do território a
Freguesia como sede do julgado de paz.
Nos seus objectivos, este diploma pretende ainda que na orgânica
judiciária se prevejam os julgados de paz como Tribunais de
primeira instância, para além dos Tribunais de primeira
instância de comarca.
Quem pode ser juiz
No articulado do
segundo projecto de lei, o Grupo Parlamentar do PCP estabelece a
competência, a organização, o funcionamento e as normas
processuais do julgado de paz, que será sempre um magistrado
não togado, com mais de 25 anos, eleito em Assembleia Municipal
do respectivo concelho, após o Conselho Superior de Magistratura
enviar para este órgão autárquico a lista de cidadãos
disponíveis e com habilitações para o exercício das
funções.
O julgado de paz terá um mandato de três anos, renovável pelo
Conselho Superior de Magistratura e, em princípio, administrará
a justiça na área da Freguesia em que reside, podendo, no
entanto, ter competência sobre várias freguesias agregadas, que
assim constituirão um único julgado.
Para o exercício das funções o juiz de paz tem igualmente de
possuir nacionalidade portuguesa e não ter sofrido condenação
nem estar pronunciado por crime doloso, para além de provar
«estar no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos».
O que faz o juiz
Ainda de acordo com
as palavras de Odete Santos, o juiz de paz terá competências em
matéria cível e penal, procurando «sempre a composição das
partes visando a resolução pacífica do conflito». No
capítulo penal, poderá julgar casos punidos com multa, ou com
uma pena de multa alternativa a uma de prisão até três anos.
Sempre que esteja em causa a aplicação de uma pena ou medida de
segurança privativas da liberdade, não poderá o processo
criminal ser submetido ao juiz de paz.
Em matéria civil, o juiz de paz poderá obter indemnizações
por dano cujo montante não exceda a alçada do Tribunal de
Comarca, podendo igualmente proceder à entrega de «coisas
móveis» cujo valor não exceda a alçada daquele tribunal.
Tendo como preocupação de fundo o estabelecimento de um
processo caracterizado pela simplicidade dos actos processuais, O
PCP entende que nele «não poderá haver incidentes da
instância que não sejam relativos à sua competência»,
defendendo, por outro lado, que a causa poderá ser apresentada
por escrito em formulário a criar por portaria, ou até mesmo
verbalmente. Tendo em vista a simplificação de procedimentos, o
diploma da bancada comunista preconiza ainda a não
obrigatoriedade da constituição de mandatário judicial, a não
ser na fase de recurso e já no tribunal de comarca.
Como não obrigatória é a apresentação de contestação
escrita, podendo ser apresentada contestação oral no início da
audiência. A contestação escrita deverá ser apresentada até
ao início da audiência.
O não comparecimento do réu e simultaneamente a não
apresentação da contestação determinam a condenação no
pedido, prevê, noutro plano, o diploma comunista, que determina
ainda que a sentença será resumidamente ditada para a acta e
só excepcionalmente relegada para momento posterior que não
exceda os dez dias,
Quanto aos encargos da «Justiça de Paz», como assinalou Odete
Santos, no julgamento não haverá lugar ao pagamento de
preparos, sendo as custas pagas no final. Havendo recurso, as
custas são pagas no Tribunal de Comarca. O cidadão pode,
entretanto, requerer, tal como nos outros tribunais, o apoio
judiciário.
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Justiça
à beira do colapso
Os gravíssimos
problemas que atravessam o sistema judicial, designadamente a sua
morosidade e ineficiência, não se resolvem com medidas
casuísticas e de excepção. Foi neste termos que António
Filipe, para quem a «Justiça entrou em colapso», apreciou as
propostas recentemente anunciadas pelo ministro António Costa
para enfrentar o problema das pendências acumuladas e do
constante aumento de processos nos tribunais. Os estrangulamentos
existentes não se ultrapassam com «fogo de artifício
mediático nem com uma deriva casuística destinada a pregar
alguns remendos num tecido esburacada», alertou o parlamentar
comunista, antes de defender que a Justiça precisa, isso sim, de
«medidas estruturais».
Esta posição foi assumida no decurso de um debate de urgência
sobre a situação da Justiça requerido pela bancada comunista,
que contou com a participação do ministro responsável pela
pasta. Marcado por fortes críticas ao Governo, este debate teve
na sua base a contínua prescrição do procedimento criminal em
sucessivos processos, o mais recente dos quais, atingindo
proporções chocantes, é o chamado caso «aquaparque».
Sinal de alarme
Funcionando como a
gota de água que extravasou do copo, este caso, como referiu
António Filipe, é um «sinal de alarme quanto ao estado da
Justiça em Portugal». «Está em causa a morte de duas
crianças lembrou - e é insuportável pensar que o
julgamento sobre eventuais responsabilidades por tão trágico
acontecimento não ocorra por atrasos imputáveis ao
funcionamento moroso, ou à inércia, do aparelho judiciário».
E o que suscita fundadas preocupações é o saber-se que este
não é um caso isolado. Pelo contrário, como foi demonstrado,
as prescrições de processos têm aumentado em número tal na
última década que ameaçam tornar-se, se é que não se
tornaram já, como frisou António Filipe, «uma rotina
decorrente do mau funcionamento do sistema». A testemunhá-lo
estão os quase 40 mil processos que terão ficado por julgar
entre 1993 e 1998 por terem sido ultrapassados os prazos legais.
As causas para esta escandalosa situação são várias e, do
ponto de vista do Grupo comunista, carecem de debate aprofundado.
«Não estará o nosso sistema judicial demasiado dependente de
formalismo endémico que permite eternizar processos com
prejuízo para a realização da Justiça? Não será o nosso
sistema judicial demasiado permeável a chicanas processuais da
parte de quem possuiu meios económicos para as suportar? A forma
como são feitas as inspecções no âmbito do sistema judicial
será a mais adequada?», inquiriu, a propósito, António
Filipe, procurando ir à raiz do problema.
Quadro negro
De uma coisa,
porém, independentemente das suas interrogações, revelou como
segura: nenhum sistema de Justiça consegue funcionar com o tipo
de problemas que o actual enfrenta. O panorama negro por si
traçado a este respeito não deixa dúvidas: 132 mil processos
crime parados só no distrito de Lisboa; ausência de condições
mínimas de apoio técnico e administrativo ao trabalho dos
juizes; um défice de centenas de funcionários na Polícia
Judicária a que acresce um injustificado atraso de muitos anos
na aprovação da respectiva lei orgânica que lhes dê outro
reconhecimento profissional; 15 mil perícias por fazer no
Laboratório da Polícia Científica; mais de seis mil
relatórios de autópsias pendentes nos institutos de medicina
legal de Lisboa e do Porto.
Só «medidas estruturais» podem, por conseguinte, na
perspectiva do PCP, atacar os problemas de fundo com que se
debate o sistema judicial. É o caso da figura dos julgados da
paz, agora proposta pela bancada comunista (ver nesta página),
como forma de ajudar a desviar dos tribunais de primeira
instância «milhares de processos que se encontram acumulados».