Os arquivos
da Pide e de novo as provocações contra o PCP
Toneladas
de
calúnia e provocação
Não apenas por falta de espaço mas sobretudo porque seria emporcalhar as páginas deste jornal, poupamo-nos a aqui reproduzir os recentes títulos e ilustrações de primeira página em torno do tema geral «O PCP ajudante do KGB» que, só por si, bastariam para evidenciar que aí está outra vez na imprensa portuguesa um fétido refogado de velhas calúnias e provocações contra o PCP e onde avultam aquelas torpes e ignóbeis qualificações individualizadas das quais, com razão, se costuma dizer que não ofendem quem querem porque só desonram e degradam os seus autores.
E é assim que, desta vez a pretexto de umas fantasias constantes do livro de um ex-arquivista do KGB que resolveu fazer-se pagar-se em dólares ou libras pela sua conversão, aí está a reposição no essencial da revoada de caluniosas acusações contra o PCP e os comunistas portugueses que, para não ir mais atrás, tiveram largo curso mediático no Outono de 1994, então em torno das alegadas «revelações» contidas no livro do espião Oleg Kaluguin, também ele convertido em assalariado das campanhas anticomunistas.
E é assim que é ressuscitada a calúnia do envolvimento do PCP na alegada entrega ao KGB dos «arquivos da PIDE» ( na versão de 94 exigindo o recurso a um camião e, na de 99, identificados rigorosamente pelo peso - «474 quilos») bem como de outra vastíssima documentação, umas vezes identificada como «planos militares da NATO» e outras vezes reportada às relações da PIDE com serviços secretos ocidentais.
Aos animadores portugueses desta campanha (entre os quais a revista «Visão» dirigida por Cáceres Monteiro que, se bem nos lembramos, há uns anos arrumou expeditamente na prateleira do «já sabido» e das inutilidades o explosivo livro de Rui Mateus sobre o PS), nada importa a não ser o manter viva a calúnia, a suspeição e a provocação contra o PCP.
Sem memória, nem escrúpulos nem ponta de seriedade, pouco lhes importa reter, entre muitos outros exemplos de ridícula efabulação, que, na operação de 94, o Sr. Kaluguin até se gabou de ter obtido «a lista dos agentes portugueses da PIDE» e de ter sido o «Expresso» (8.10.94) a cometer a infinita maldade de lembrar que essa lista tinha sido editada em Abril de 1975... pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda!
Pouco lhes importa a forma muito céptica ou incrédula, quando não frontalmente discordante, como responsáveis militares pela Comissão de Extinção da PIDE-DGS, sempre comentaram e ainda comentam uma «entrega» de «arquivos» tão volumosa e a natureza que lhes é atribuída nas «notícias« divulgadas.
Pouco lhes importa que tenha sido o insuspeitíssimo General Pedro Cardoso a contar, em artigo em separata da revista «Nação e Defesa», que «Em Agosto de 1974, o membro da Junta de Salvação Nacional responsável pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS inquiria à 2ª Divisão do Estado Maior General das Forças Armadas se haveria algum interesse no ficheiro ou arquivo daquela organização, tendo ficado esclarecido que a únicas coisa que teria interesse , e que deveria ser objecto de um tratamento muito especial, eram os documentos respeitantes aos contactos estabelecidos pela Direcção-Geral de Segurança com as polícias e serviços similares estrangeiros, que a lei aliás previa. Tal documentação passou a partir desta altura a beneficiar de um tratamento adequado.»
E, sobretudo, pouco lhes importa a reconstituição de acontecimentos, a resposta articulada e a importante enunciação de orientações e atitudes do PCP nestas matérias que foi feita por Álvaro Cunhal em entrevista ao «Avante!» (de 13.10.94) , e da qual, para avivar memórias, reproduzimos hoje alguns excertos de flagrante actualidade.
«Temos uma
orientação Excertos
da entrevista de Álvaro Cunhal ao «Avante!»
Álvaro Cunhal - Não vou dar resposta a acusações, porque o que está em curso é uma nova e violenta operação provocatória contra o nosso Partido. A PIDE/DGS extinta pela insurreição
Álvaro Cunhal - O poder instituído a seguir ao derrubamento da ditadura em 25 de Abril de 1974 nomeadamente a Junta de Salvação Nacional, deveria tê-lo feito, mas não o fez. Como é sabido, o Presidente da Junta, general Spínola, tentou manter a PIDE/DGS no exercício das suas funções. Logo no dia 26 informou o país de que «tinha chamado a atenção da DGS» e que a DGS «passará a agir por forma a que não mereça mais quaisquer reparos do povo português». E tentou nomear um novo director-geral. Se, em Abril de 1974, a PIDE/DGS não continuou em funções foi porque, contrariando tais propósitos e indicações, o povo e militares revolucionários cercaram e tomaram de assalto as instalações da PIDE, prenderam os agentes, tomaram conta das armas e dos arquivos. Quem não compreenda ou queira esquecer que foi uma revolução militar e popular que pôs fim à ditadura e instaurou a democracia, ou não compreende ou falsifica os dados fundamentais desse momento glorioso da história do povo português e de Portugal.
Álvaro Cunhal - Exacto. É outro exemplo que fazemos bem lembrar da liquidação da ditadura e do seu aparelho repressivo pela revolução democrática. Falando ainda da liquidação da PIDE, são também de lembrar acontecimentos conhecidos mas por muitos ignorados ou esquecidos: os Pides entrincheirados respondendo ao cerco dos populares com tiroteio de que resultaram mortos, queimando documentos enquanto tiveram tempo. Depois o assalto às instalações e a sua invasão e ocupação. Era natural e até inevitável num tal processo a busca nos arquivos de esclarecimentos e provas das torturas, dos assassinatos e de outros crimes. É geralmente sabido que se deu nesses dias e mesmo nos tempos seguintes uma verdadeira ocupação e invasão das instalações da PIDE (incluindo os arquivos) por pessoas das mais variadas tendências políticas. Desvio de documentos
Álvaro Cunhal - Não só admito. Tenho por certo. E não é uma certeza que seja eu o único a afirmar. Isto é conhecido e afirmado desde essa época por toda a gente conhecedora da situação. Os arquivos da PIDE eram justamente considerados como elementos de capital importância para o conhecimento do aparelho fascista de perseguição e terror, para conhecer o âmago dos crimes praticados e os seus responsáveis. Era também legítimo querer saber quem eram os informadores e auxiliares que colaboravam com a PIDE. De certeza houve desvio de documentos com os mais variados destinos por muitas iniciativas individuais espontâneas não controladas.
Álvaro Cunhal - Esse dossier não me chegou às mãos. Infelizmente. Gostaria de o conhecer. (...) O Partido e serviços de informação
Álvaro Cunhal - Naturalmente que quero. Não é uma questão menor. Pelo contrário. Relações com serviços de informação é uma questão importante que se coloca a todos os partidos e naturalmente também ao nosso. Em termos de princípios, de orientação e de prática. No PCP essa questão foi e continua a ser inteiramente clara. Pode resumir-se em dois pontos fundamentais. O primeiro: o PCP nunca admitiu quaisquer contactos com serviços de informação, seja de que país forem. O segundo: a ligação, informação ou compromisso com qualquer serviço de informação é incompatível com a qualidade de membro do PCP.
Álvaro Cunhal - Com conhecimento comprovado, os casos foram raros. A medida foi a imediata expulsão do Partido. Mesmo em casos de forte e justificada desconfiança a decisão foi a mesma de maneira mais ou menos formal.
Álvaro Cunhal - Esta orientação não é de hoje, Vem de muito longe. Assim, no fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, com a vitória da aliança da URSS-Estados Unidos-Inglaterra-França sobre o fascismo hitleriano, geraram-se ilusões acerca do papel progressista que os Estados Unidos poderiam desde então desempenhar no mundo. Nos próprios Estados Unidos o Secretário-geral do Partido Comunista, Browder, defendeu uma tal orientação e pretendeu impô-la ao partido. No nosso próprio partido, numa reunião do Comité Central em Maio de 1945, um camarada defendeu o browderismo. Tais ilusões abriram condições favoráveis aos serviços de informação dos Estados Unidos (tal como aos da Grã-Bretanha) para procurarem recrutar informadores ou agentes seus entre pessoas de esquerda, nomeadamente em membros do Partido, apesar de o Partido se encontrar na clandestinidade. E conseguiram-no embora em casos raros. Tenho comigo exemplares do boletim do PCP «O Militante» publicado clandestinamente. Nos números de Setembro de 1946 e Janeiro de 1947 podem ler-se resoluções do Secretariado do CC decidindo a expulsão de dois membros do Partido que (por pretenderem aliciar outros) se soube terem tomado tais ligações e compromissos.
Álvaro Cunhal - A orientação era a mesma em relação à URSS e outros países socialistas. Antes e depois do 25 de Abril. E continua a ser a mesma. Nós sempre comunicámos a nossa atitude aos partidos comunistas nesses países. Solicitámos mais que uma vez que, estando como estavam no poder, dessem indicações concretas para que os serviços de informações respectivos se abstivessem de procurar informações ou tentar recrutamentos junto de membros do nosso Partido. Naturalmente que o essencial é que um camarada, se detecta junto de si diligências desse tipo, frontalmente as repudie. Mas é bom evitar qualquer contacto, mesmo que ocasional, com pessoas com tais actividades. Relações com embaixadas
Álvaro Cunhal
- O que dizeis é exacto e esse perigo existiria se
não houvesse uma orientação muito clara e firme. Se
alguns desses elementos representam oficialmente em
Portugal, nas relações com o Governo, os referidos
serviços e são geralmente conhecidos, outros ocultam as
suas funções. Aparecem como secretários ou adidos
militares, culturais ou comerciais. O disfarce não
consegue entretanto evitar que muitos acabem por ser
conhecidos pelo que são.
Álvaro Cunhal - Naturalmente que procuram. Conhecemos muitas tentativas desse tipo. Pela iniciativa de contactos em recepções. Por convites para uma conversa ou refeição. Pela pretensão de estabelecer contactos pessoais sob os mais variados pretextos. Tem havido casos, aliás geralmente conhecidos, de alguns serem muito atrevidos e operativos, como uma jovem atraente de uma certa embaixada, um oficial muito condecorado e sociável de outra embaixada, e numa terceira, um adido de imprensa cujo comportamente precipitado e grotesco era só por si um cartão de identidade. Não sei se os outros partidos têm a mesma atitude e a mesma cautela.
Álvaro Cunhal - Só uma: o PCP tem uma orientação clara e segura e a consciência tranquila. |