Faleceu Armando Castro
Armando Castro, um dos maiores vultos da ciência e do pensamento marxista deste século, em Portugal, foi a enterrar na passada quinta-feira, no Cemitério do Prado do Repouso, no Porto.
Economista,
advogado, investigador, professor da Faculdade de Economia do
Porto, de que foi Presidente do Conselho Directivo, Armando
Castro deixou uma vasta obra publicada, com centenas de trabalhos
nos domínios da História, Economia Teórica e Aplicada e Teoria
do Conhecimento.
Grande lutador antifascista, corajoso e sempre solidário, era
militante comunista desde 1935, destacando-se como um
revolucionário coerente até à data do sua morte, ocorrida no
dia 16, com 80 anos de idade.
A Direcção da Organização Regional do Porto do PCP, evocando
a memória de homem da ciência e da cultura e cidadão exemplar
que foi Armando Castro, lembra que este perfil lhe mereceu ter
sido galardoado com várias distinções, entre as quais a
Medalha de Ouro da Cidade do Porto.
Em mensagem de pesar enviada à família de Armando Castro, o
Secretariado do Comité Central do PCP afirma que «o país e a
cidade do Porto perdem um português e homem de cultura com uma
enorme grandeza intelectual e humana, mas o património da sua
vida e da sua obra continuarão a inspirar todos quantos se batem
pelo progresso da ciência e da cultura e pela sua estreita
vinculação com o progresso social e humano.»
Por sua vez, a direcção do Sector Intelectual de Lisboa do PCP,
lembrando a vastíssima obra científica de Armando Castro,
atribui-lhe a responsabilidade pela formação de gerações de
economistas e destaca «o impacto da sua militância pelas
grandes causas da resistência antifascista e da liberdade, a que
dedicou toda a sua existência combativa».
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«Um pensador e investigador
incansável»
«O País
perde uma figura de referência, de um pensador e investigador
incansável». Foi nestes termos que a Assembleia da República
expressou, em voto de pesar, o elogio pela vida e obra do
Professor Armando de Castro, falecido no dia 16, com 80 anos de
idade.
No texto, apresentado por deputados comunistas e aprovado por
unanimidade, enaltecido é o percurso do «activo opositor da
ditadura», que entrou para as fileiras do PCP em 1935, e que foi
impedido de leccionar até ao 25 de Abril.
«Depois da Revolução de Abril, passou a exercer a docência da
Faculdade de Economia da Universidade do Porto, de que foi
Director até à sua jubilação, em 1989», recorda o texto do
voto, no qual a Assembleia da República «expressa o seu pesar
pelo falecimento» de Armando Castro e endereça à sua família
«os mais sentidos pêsames».
Da figura ímpar de Armando Castro, licenciado em Direito pela
Universidade de Coimbra e em Economia pela Universidade do Porto,
destacado é igualmente o facto de ter dedicado a sua vida à
investigação científica, de que resultou uma «vasta e
profunda obra», designadamente nos domínios da História
Económica e da Epistemologia».
Testemunhadas são ainda «as suas enormes qualidades de
investigador», bem como a «importância do seu trabalho de
muitas décadas», aspectos reconhecidos por todos os que o
conheceram e com ele privaram. «Entre muitos livros, estudos e
artigos sublinha o texto impõe-se salientar a sua
obra em numerosos volumes sobre a Evolução Económica de
Portugal, do século XII até ao século XX, e a Teoria do
Conhecimento, de que estão publicados oito volumes».
In Memoriam
Por Oscár Lopes
Ao cabo de vários meses de um lento apagamento irreversível, Armando Castro, quase imobilizado, morreu no dia 18 de Junho, a poucos dias de completar os 79 anos de idade.
Formado em Direito com excelentes classificações, teve de acumular o seu trabalho de investigação com o exercício de uma profissão de advogado, e ainda em 1973 denunciava a proibição de um seu curso particular superior, de teorização da história económica; mas basta prestar atenção ao seu largo currículo de estudos publicados, para se descobrir a sua estreita dependência dos seminários e encontros, a que se ficou devendo os meios e os arquivos ingleses, franceses, hispânicos, e até colecções regionais de documentos que lhe permitiram completar, continuar ou corrigir as obras clássicas, e que em particular desmentem a sua directa e incrítica sequência directa de sínteses, que tanto seriam (pretensamente, segundo ouvi) os textos de Herculano, Gama Barros, Oliveira Martins, Lúcio de Azevedo ou Jaime Cortesão, etc, que ele aproveita e critica de modo tão livre e independente. O leitor facilmente encontra referências à Torre do Tombo, a arquivos estrangeiros ou regionais, que a incapacidade de alguns críticos dificilmente sentiam ao alcance de um advogado sem privilégios académicos é que, a cada passo, tinha de adiar o trabalho profissional de advogado e preparar seminários ou conferências, tinha que escrever artigos de pretexto comemorativo, para se manter em dia e poder e travar conhecimento com especialistas, e de utilizar um bom ensejo local de investigação por sua conta. Foram pelo menos dois decénios de um esforço de que é natural poucos se sentirem capazes e que só uma disciplina férrea lhe permitiu manter, dos anos trinta aos anos setenta, quando o 25 de Abril lhe bateu à porta na figura já gasta mas intrépida do Professor Ruy Luís Gomes, que lhe abriu as portas de uma Faculdade.
Dispôs só de 13 anos para, num ambiente novo e incerto, patentear aos alunos a sua reflexão, os seus dossiers e as suas fichas que lá ficaram, na Faculdade, como trabalho para continuar e ultrapassar: a vida renova-se cada dia, e a ciência, quando represa, renova-se mais ainda.
Apenas uma indicação bibliográfica sumária, que aponta no sentido do avanço patente das suas próprias reacções: Revolução Industrial em Portugal no Século XIX, 3.ª edição, 1976 (1.ª, 1945); A Evolução Económica em Portugal nos Séculos XII a XV, 1964-1970, nove volumes, seguido do 10.º Limiar, 1965, e do 11.º, Caminho, 1980, obra várias vezes reeditada com variantes e lançada e mantida por teimosia quase heróica de Augusto Costa Dias; História Económica de Portugal, I e II, Caminho, 1978-1981; Estudos de História Sócio-Económica Portuguesa, 1972 (constituída em grande parte de fichas extratadas do Dicionário da História de Portugal). A partir de 1975 publica uma série sobre a Teoria do Conhecimento Científico. A revista Vértice, entre outras, contém artigos comemorativos sobre Gil Vicente, Camões, Fernão Mendes Pinto, etc, e devem-se-lhe dois estudos que focam as condições ideológicas da História da Literatura Portuguesa, entre 1890-1910 e 1925-1985, numa história então publicada em fascículos. E publicou três breves e luminosos ensaios sobre a génese de Portugal e sobre a Revolução de 1385, baseados num curso que organizou para a Universidade Popular do Porto. Além destes dados, que fazem sentir a necessidade de uma Bibliografia que dê conta das numerosas reedições refundidas, ou simplesmente revistas e actualizadas da sua obra, e de artigos dispersos em numerosas revistas, o que tudo caberia bem num In Memoriam, ou acto público de homenagem Armando Castro deixa, na lembrança de quantos o conheceram, a imagem de um incomparável amigo, sempre atento, sempre disponível, e tão incapaz da mera verrina de endereço pessoalista, como discretamente irónico, e desprendido do valor das suas próprias intervenções.