O PCP com os trabalhadores

Defender e concretizar direitos
— Carlos Carvalhas define os objectivos da campanha —



Valorizar o trabalho e os trabalhadores - Defender e concretizar direitos é o lema da campanha nacional do PCP, lançada na passada terça-feira no Centro de Trabalho Vitória, com a participação do secretário-geral do Partido, que definiu então os objectivos desta iniciativa, alertando para um novo ataque ao mundo do trabalho:

«A campanha que hoje aqui lançamos visa realçar, alertar e consciencializar os trabalhadores e a opinião pública sobre uma nova ofensiva protagonizada agora pelo PS, dissimulada com algumas medidas positivas, que estão a ser anunciadas pontualmente, para abrir caminho ao ataque contra direitos e a dignidade do trabalho e dos trabalhadores.

Esta campanha do PCP insere-se também no esforço que o Partido tem vindo a desenvolver para dar um novo impulso à organização e ao estreitamento e intensificação da sua ligação à classe operária e aos trabalhadores e às suas aspirações, lutas e justas reivindicações.

Esta ofensiva contra o "mundo do trabalho" procura dar corpo no plano legislativo a uma outra ofensiva que se desenvolve há vários anos, uma ofensiva assente na teologia e nos dogmas do neo-liberalismo e na retórica discursiva sobre o social, procurando inculcar a ideia de que o único caminho para se dar resposta aos problemas de hoje está na crescente desregulamentação, precarização, liquidação de direitos, na privatização dos serviços públicos e no restringir as funções sociais do Estado, a um mínimo assistencial. Tudo em nome da santa competitividade encarada na sua lógica de guerra, de esmagamento dos adversários e assente nos três rigores: orçamental, monetário e salarial. Que o mesmo é dizer: apertar o cinto a quem trabalha e arrasar tudo o que possa travar ou limitar o máximo lucro.

O poder do dinheiro dita os valores, os comportamentos e adapta a lei aos seus interesses e os mercados (leia-se capital financeiro, bolsa) que não têm certidão de eleitor, escrutinam as decisões e são o alfa e o ómega do "politicamente correcto". É o credo do "Pensamento Único", ao serviço da plutocracia.

É nesta lógica que a polarização da riqueza e da pobreza quer no quadro dos países mais desenvolvidos, quer a nível mundial atinge proporções jamais vistas e que pode ser exemplificado com os 60 milhões de pobres no país mais rico do mundo, os EUA, ou à escala planetária com as fortunas dos 358 multimilionários que é superior ao rendimento de 45% da população mais pobre (2,6 milhares de milhões de pessoas!).

E é no âmbito desta pressão ideológica que os constrangimentos da União Económica e Monetária concebida segundo os critérios neo-liberais são usados como pressão sobre os salários, os direitos dos trabalhadores e as funções sociais do Estado.

Pressão que vai continuar e até acentuar-se. Ainda hoje um matutino (Diário Económico) nos dá conta que a Comissão Europeia recomenda no âmbito das grandes orientações da política económica que " Portugal deverá aproveitar as condições económicas favoráveis para rapidamente fazer baixar o seu saldo orçamental para uma posição próxima do equilíbrio ou mesmo excedentária tal como é exigido pelo Pacto de Estabilidade". É como se um corredor chegasse ao fim de uma corrida e depois em vez de parar ainda lhe fosse exigido continuar e em maior ritmo...»


Melhorar as prestações sociais

«É também neste quadro que se inserem as chamadas reformas estruturais sobre a segurança social, a saúde e o ensino. Estas reformas, aparecem agora com mais clareza ligadas à necessidade de o Estado reduzir os gastos sociais para cumprir os critérios de convergência de Maastricht, que continuam ainda de forma mais rígida depois da entrada no Clube do Euro, como manda a Alemanha através do "Pacto de Estabilidade".

São reformas não sentido de melhorar os sistemas. São reformas que vão no sentido de o Estado ainda se desresponsabilizar mais das suas funções sociais. São reformas que pretendem concretizar e acentuar o princípio neo-liberal: de que quem quer saúde, ensino, segurança social que a pague e quem quiser ter benefícios orçamentais e pagar menos impostos só tem que se tornar rico ou torna-se banqueiro.

Em relação à Segurança Social, como sabeis vamos insistir na Assembleia da República para que se verifique um aumento extraordinário de 3.000$00 em relação às pensões inferiores ao salário mínimo, o que é justo no plano social e no plano de combate à pobreza, é comportável no âmbito do Orçamento da Segurança Social e é um factor de dinamização económica.

O PP acenou agora com a elevação da pensão mínima do regime geral para o valor do salário mínimo nacional - que afinal não é esse valor, mas menos 11% - num prazo de cinco anos.

Nós, comunistas, estamos muito à vontade nessa matéria, porque há muitos anos, não só de agora, já defendemos "a melhoria das prestações sociais e a elevação dos seus valores, em especial das pensões que se encontram num nível mais degradado" e há muito que defendemos de facto a "aproximação gradual mas efectiva das pensões e das reformas mínimas do salário mínimo nacional".

O que é preciso esclarecer na "mistificação Portas" é que o PP pretende utilizar o aumento das pensões mínimas como engodo para destruir o sistema público de Segurança Social, reduzindo-o a um modelo assistencial de mínimos e liquidando os direitos de quem constrói a sua pensão através de contribuições ao longo da vida.

O que é preciso esclarecer na "mistificação" do PP é que a destruição do sistema público da Segurança Social, através de um tecto ou plafond muito baixo, é apenas um instrumento para a privatização da Segurança Social, para a entrega à rapacidade das seguradoras e das gestoras de fundos de pensões, do dinheiro e do futuro dos actuais contribuintes, ainda por cima com chorudos benefícios fiscais à custa de todos nós.

Mas seria de esperar outra coisa de uma proposta de "reforma" da Segurança Social e que foi elaborada, segundo noticiou a comunicação social, por um administrador da holding Seguros e Pensões - o braço do Grupo BCP/BPA que já detém actualmente um quinto da quota do mercado desses produtos financeiros em Portugal ?

Resta saber se também nesta questão o PP e o PSD não virão a servir de lebre para aquilo que o PS pretende fazer embora de forma mais camuflada.

E este é hoje o drama do PSD: não só vê o PS a praticar por vezes de forma mais hábil uma política neo-liberal com a qual Intimamente e nas questões mais essenciais está de acordo, como vê o PS ainda por cima a inaugurar aquilo que o cavaquismo iniciou!

E é este drama que explica que o PP e o PSD apareçam muitas vezes a fazerem o papel de lebres (privatização da CGD, RTP... ) e é também o drama do PP que explica a "retórica de esquerda" e a gritaria oposicionista que o PSD inaugurou após o Congresso para cobrir a sua aliança com um partido ainda mais à direita.

Não somos só nós que o afirmamos. Quem o afirma são analistas, deputados, dirigentes dos dois partidos e até ministros!»


São eles que o dizem

«Sérgio Figueiredo, em Março deste ano escrevia no Diário Económico: "O PCP tem razão. a política económica socialista revelou-se exactamente igual à laranja".

Fernando Ká (militante do PS) disse no fim do ano: "É triste ver o PS seguir políticas que condenava na oposição. Agora faz coisas que causariam inveja ao PSD".

Paulo Mendo (ex-Ministro do PSD), afirmava há um mês (30/4/98): "Vejo com satisfação que a política do PS se aproxima da que foi a minha política e a do governo do PSD"!

Por sua vez Pina Moura (Ministro da Economia) dizia no Independente (30/4/98) também recentemente: "O governo tem uma política de internacionalização que, aliás, foi em aspectos essenciais definida pelo anterior governo".

O célere Alberto João Jardim em Março deste ano sublinhava: "Os governos do professor Cavaco e do PS na sua orientação económica são iguais. São dois neo-liberais" e acrescentava: "Um dos meus maiores gozos é ver no poder, em nome da esquerda, os tipos que nos anos 70 falavam contra os Champalimauds, os Espíritos Santos e Mellos e que agora lhe deram todos os sectores estratégicos do Estado".

Sintetizando tudo isto, Eduardo Dâmaso, jornalista do Público escrevia: "Mais do que uma "direita" dos interesses favorecida, existe sobretudo um "bloco central dos interesses" que, desde os anos 80, se tem perpetuado no poder, tanto à sombra protectora do PS como do PSD".

E Mário Melo Andrade do DN acrescentava em Abril (11/4/98): "À escala dos grupos económicos, nunca tanto em tão pouco tempo se pareceu com o que ocorreu no início dos anos 70: é "tudo o que quiserem". Há uma estratégia de governação que consiste em governar à direita com o apoio de um partido de esquerda"!

Nós não metemos todos os partidos no mesmo saco. Mas é infelizmente uma realidade que, tal como hoje analistas e comentadores de vários quadrantes formulam, nas questões mais estruturantes e essenciais o Governo PS continua, com mais ou menos retórica social, com mais ou menos encenação dialogante, a política que o povo português e em particular os trabalhadores quiseram ver derrotada.

Nós não combatemos siglas. Nós combatemos a política da direita e procuramos através de propostas e medidas alternativas mostrar que há outras opções e outros caminhos, mostrar que é necessário mudar de rumo na política nacional.»


Um Partido que não baixa os braços

«Somos um Partido que não baixa os braços, um partido que mobiliza consciências e congrega esforços e vontades, na acção reivindicativa, na defesa, exercício e conquista de direitos, na luta de massas por melhores condições de vida, um Partido cujo traço mais essencial se traduz por procurar através da acção concreta e através de propostas e medidas resolver os problemas e abrir perspectivas de esperança e de progresso.

Por isso decidimos lançar esta campanha que hoje aqui anunciamos e que se vai traduzir por uma diversificada e vasta acção de contactos com trabalhadores. Procuraremos demonstrar que na nossa intervenção política quotidiana, nas iniciativas legislativas que apresentamos fomos consequentes com o que dissemos nas campanhas eleitorais, com o que inscrevemos no nosso programa, que estamos com eles nas empresas, na Administração Pública nos seus protestos e na sua luta directa, mas também com eles na Assembleia da República incorporando em lei, em projectos e propostas as suas justas aspirações, reivindicações e direitos.

Nas áreas do emprego, do horário de trabalho, dos salários, da higiene e segurança nos locais de trabalho e da sinistralidade, do combate ao trabalho infantil e às discriminações que recaem sobre os jovens e as mulheres trabalhadoras tomámos iniciativa e fizemos propostas. E em relação ao trabalho infantil queremos também deixar expresso nesta campanha o nosso apoio solidário à "Marcha global" contra a exploração do trabalho infantil a terminar em Genéve por ocasião da Conferência da O.I.T..

Apresentámos alternativas, encontrámos soluções e resistimos e procurámos corrigir os conteúdos mais gravosos dos sucessivos pacotes laborais.

Continuaremos com esta postura com empenho e determinação.»


Expo, pressão e chantagem

«E permitam-me que aqui levante uma primeira questão que constitui simultaneamente um alerta e uma responsabilização.

O Governo tem vindo a reclamar aos trabalhadores e aos Sindicatos um período de estabilidade social em nome do êxito e da imagem da Expo 98. Mas é o Governo que parece que quer aproveitar o período da Expo para de forma célere proceder a mais uma ofensiva legislativa desregulamentadora de direitos dos trabalhadores, contra a segurança e o conceito do emprego, contra os conceitos de retribuição e de profissão, contra o direito a férias e pelo alargamento da precarização nos contratos a prazo e no trabalho temporário.

Se o governo pede estabilidade, então não deve ser ele a desestabilizar e a avançar com alterações legislativas gravosas e polémicas durante a realização da Expo. O mínimo que o Governo tem a fazer é suspender esta ofensiva legislativa durante a realização da Expo 98.

O Governo não deve utilizar a Expo, que todos desejamos que seja um êxito para Portugal, como pressão e chantagem para impor aos trabalhadores mais precarização e desregulamentação laboral. Este é o nosso alerta, que é simultaneamente uma chamada à responsabilidade do Governo. Se o não fizer então será o Governo e não os trabalhadores e as suas organizações quem propicia e procura a conflitualidade...


35 horas sem redução de direitos

«A campanha nacional do PCP pela valorização do trabalho e dos trabalhadores, pela defesa e concretização dos seus direitos permitirá dialogar e debater com os trabalhadores as nossas propostas e a sua divulgação em termos mais gerais.

Em correspondência com a reivindicação da CGTP e do movimento sindical unitário anunciada no 1º de Maio, assumimos o compromisso de prosseguir e concretizar por via da iniciativa legislativa, a batalha da redução do horário de trabalho sem diminuição do salário e dos dois dias de descanso semanal. Tomaremos uma iniciativa legislativa neste sentido e juntaremos os nossos esforços aos de outras forças de esquerda e progressistas no sentido de que as 35 horas sem redução de direitos e de salários seja uma realidade na União Europeia.

Importa também consolidar as 40 horas, desenvolver esforços para evoluir na negociação na construção e na acção reivindicativa para que a Jornada de Trabalho tenha redução faseada. A nossa proposta de redução do horário do trabalho será sustentada na realidade económica do nosso país, no seu nível de produtividade, no seu desenvolvimento, isto é será apresentada com sentido responsável e socialmente justo.

Iremos avançar também com a reposição de projectos-Lei sobre a idade de reforma das mulheres trabalhadoras, de combate ao trabalho infantil, de valorização do salário mínimo nacional e das reformas e pensões mais degradadas, de efectivação da igualdade de direitos das mulheres e dos jovens trabalhadores, de propor medidas de defesa e modernização do sistema de Segurança Social como direito universal.

E se formos confrontados com este novo surto legislativo que o Governo tem em mente, a nossa opção e as nossas propostas terão como objectivo central defender o emprego com direitos, combater a desregulamentação e a precarização, firmados na convicção de que a cidadania também se cumpre e realiza e reforça a partir dos locais de trabalho.»


Há outra política alternativa

«Não se pode aceitar que milhares e milhares de trabalhadores e suas famílias fiquem à margem do crescimento económico.

Não se pode aceitar que ao mesmo tempo que se anunciam com triunfalismo aumentos salariais de 2,5 e 3% para um ano, publicam-se e divulgam-se valorizações de capital de 30% num só trimestre e valorizações bolsistas de 60% desde o início do ano!

Não se pode aceitar que a distribuição do rendimento nacional continue a penalizar aqueles que vivem do seu trabalho.

Não se pode aceitar que Portugal tenha os mais baixos salários, o mais baixo salário mínimo, as mais baixas reformas sociais e os mais elevados níveis de pobreza e simultaneamente se equipare com os países mais desenvolvidos quanto aos níveis de concentração de riqueza...

Esta situação não é uma fatalidade. Os portugueses não estão condenados a esta política.

Já houve quem escrevesse (Vicente Jorge Silva) que "se hoje o guterrismo imita o cavaquismo, o marcelismo imitará o guterrismo de ontem" e concluía: "como é triste uma vida política reduzida à alternância entre Dupond e Dupond"...

Os portugueses não estão condenados a este rotativismo. Há outras alternativas.

Há quem queira aprisionar os cidadãos nesse falso dilema, são os que alimentam as campanhas legislativas como se fossem para eleger primeiros ministros que não são. São para eleger deputados. São os que procuram dar a ideia que o que conta é o partido mais votado, o que é falso, o que conta são as maiorias que se formam. São os que se esquecem de tudo o que ontem escreveram para depois falarem que é preciso votar PS para derrotar a direita vendendo como útil a inutilidade do voto. São ainda os sacerdotes e os cardeais do pensamento único que procuram inculcar a ideia que esta é a única política com eficácia económica!

Querem-nos fazer crer com os dogmas do neo-liberalismo que, perante o futuro tão incerto, o único remédio razoável, consiste em tornar o sofrimento suportável para os milhares de famílias em insegurança e exclusão social.

Nós pensamos que não.
Que há outra política ao serviço efectivo do povo e do País.

Mas para que se venha a ter outro rumo é necessário que a esquerda que faz a diferença e a diferença que faz a esquerda seja reforçada pelo apoio dos trabalhadores e por aqueles que não se resignaram face às injustiças, às prepotências, à exploração desenfreada, ao dogmatismo, à irracionalidade e à hipocrisia dos que falando no social fazem a política dos grandes senhores do dinheiro.

Nesse rumo com os trabalhadores e com Portugal estará o PCP.


«Avante!» Nº 1276 - 14.Maio.98